domingo, 18 de fevereiro de 2024

O MACHO E O MONTE MERU DA MASCULINIDADE, por A. Felisberto.


 




Figura 1: Tapete de seda da dinastia Yuan com uma mandala cosmológica do Monte Meru.

Nesta mandala (diagrama cósmico) tecida com ponto de tapeçaria ilustra temas iconográficos indianos introduzidos na China em conjunto com o advento do budismo esotérico. No centro, o mitológico Monte Meru está representado como uma pirâmide invertida rematada como uma flor de lótus, símbolo budista da pureza. Na base do monte aparecem os símbolos tradicionais chineses do sol (ave de três pernas) e lua (coelho). As paisagens nos quatro pontos cardeais representam os quatro continentes da mitologia indiana, mesmo que sigam as convenções chinesas de paisagem “azul-e-verde”. A borda floral nas extremidades se inspira nos motivos do Tibete central, em particular os monastérios vinculados com a corte da dinastia Yuan.

O Monte Meru (sânscrito/páli: मेरु), também conhecido como Sumeru, Sineru ou Mahā-meru, é a montanha sagrada de cinco picos da cosmologia hindu, jainista e budista e é considerado o centro de todos os universos físico, metafísico e espiritual.

Ora se poderíamos pensar que o monte Merú era uma mitologia exclusiva dos hindus a verdade é que exista na Tanzânia um monte vulcânico que não tem nada de mítico chamado monte Meru cuja etimologia deriva do nome duma etnia banto, o povo Meru (Wameru em suaíli) que compartilha o mesmo nome com o povo Meru do Quénia, mas que são grupos étnicos completamente diferentes, cada um com sua própria história e identidade únicas...mas com o nome Meru comum.

Os Meru são uma população da África Oriental que vive principalmente na região de Meru, na Província Oriental do Quênia. (...)

Dependendo das fontes e do contexto, diferentes formas podem ser observadas: Ameru, Kimeru, Kirwo, Mero, Merou, Merous, Merus, Mieru, Mwere, Mweru, Rwo, Wameru. De um modo geral, os Meru têm uma das histórias orais mais detalhadas e surpreendentes das tribos do Quênia. Também é muito intrigante, pelo menos do ponto de vista ocidental, uma vez que contém fortes semelhanças bíblicas que sugerem que eles podem ter feito parte de uma das tribos de Israel ou que podem ter adotado a religião judaica por um tempo, como os Falashas da Etiópia hoje.



Figura 2: Meru era "superintendente dos detentores de selos" na corte real e, portanto, um dos mais importantes funcionários do Estado.

Merit – A deusa da música que ajudou a estabelecer a ordem cósmica através de meios musicais. Ela era uma deusa menor que acabou sendo totalmente eclipsada por Hathor no que diz respeito à música. Hathor tornou-se associada especificamente ao sistro e à música em geral, mas, antes, Mérito era a deusa que "conduzia" a sinfonia da ordem que acompanhava a criação.

Se Mer-it era no Egipto Antigo a deusa que "conduzia" a sinfonia da ordem que acompanhava a criação isso significa que seria a companheira do deus Mer ou Meru que alegremente produzia a criação no seu monte primordial que por isso teria também o seu nome Meru e que o povo Meru da Tanzânia conservou depois de ter saído do Egipto como os judeus segundo as suas próprias tradições. Pois bem, na caldeia onde o monte Meru se chamava Machu esta ideia mítica subsistia num dos títulos de Marduque, Maru-k(i)ka.

Maru-kka, usado com Maru-tukku: Criador ou «marreta» da Criação, títulos de Marduk. (mar: criar, criança, marru: martelo, machado, arma).

No entanto este conceito mar / marru (> «marreta») seria já uma elaboração acádica a partir do termo para criação que seguramente seria de origem matriarcal elaborado a partir da ideia de uma deusa mãe primordial como foi Tiamat /Amorka deste modo: Ama + ur = mãe aguerrida como uma Medusa> criadora > Amur-ru > Martu > *Maru > Maria => marru. Muito possivelmente o nome do monte primordial era Maru na região do mar Egeu o que terá sido a razão do nome do nome do mar a ocidente da Grécia. A verdade é que em Portugal o monte mítico que separa o Douro Litoral do Alto Douro é o monte Marão. Então, se para os sumérios Mashu era a montanha sagrada primordial era os egeus este era Mar-tu ou *Maranu.

Sumer. Monte Mashu ó Hindu Monte Meru.

Então, quando se diz que o monte Merus deriva etimologicamente de 'meru' que em sânscrito é emprestado do dravidiano 'mēl' ou 'mēr' que significa 'alto' possivelmente está a confundir-se a foz com a nascente do rio. No mesmo erro se incorre quando se diz que o nome próprio da montanha é Meru (sânscrito: Meru-parvata), ao qual é adicionado o prefixo de aprovação su-, resultando Sumeru com o significado ""sublime Monte Meru".

Sumeru < *Xu-Meru = monte que se eleva no céu pela força de Xu, o deus Egípcio do tempo atmosférico => Suméria.

Teofrasto, no século III aC. AC, escreve no Livro IV de sua obra História das Plantas, que Dionísio nasceu no Monte Meros, no atual Paquistão.

Em conclusão, o monte Meru era objectivamente um falo cósmico feito montanha que determinou que acabasse em latim como sendo mālus ("mastro") o que nos vai permitir compreender porque é que o «macho» é «masculino» na medida em que são termos que derivam de forma convergente do mesmo conceito mítico que teve logo na origem nomes sinónimos mas não homófonos ou seja:

Sumer Monte Mashu ó Hindu Monte Meru.

[16] Para os sumérios, Mashu era uma montanha sagrada. Seu nome significa "gêmeo" em acadiano, e assim foi retratado em selos de cilindro babilônicos - uma montanha de pico duplo, descrita por poetas como a sede dos deuses e o submundo (60). Referências ou alusões ao Monte Mashu são encontradas em três episódios do ciclo de Gilgamesh, que datam entre o terceiro e o segundo milênios a.C.

Mounte Mashu, Middle Eastern Mythology.

"Os Homens de Escorpião são apresentados em vários mitos da língua acadiana, incluindo o Enûma Elish e a versão babilônica da Epopeia de Gilgamesh. Eles também eram conhecidos como aqrabuame-lu ou girtabli-lu. Os Homens de Escorpião são descritos como tendo a cabeça, o tronco e os braços de um homem e o corpo de um escorpião. Na Epopeia de Gilgamesh, eles ficam de guarda do lado de fora dos portões do deus do sol Shamash nas montanhas de Mashu. ... O escorpião também é um guarda mágico para uma entrada entre, por exemplo, o Mekeo de Papua - "um charme de escorpião é usado para proteger ... sua casa."..[1]

Gaqra-bua-me-lu< Kacar-Bau-Meru ó Aker-*Kimera.

Mashu (< Ama-Chu) parece àquilo a que literalmente ressoa em português, «o macho», na medida em que mash, o inspector, (> Mazda) viria de mesh (< ama ash, o fogo da mãe!).

Tradicionalmente teorizado como sendo do protoindo-europeu *méryos ("jovem"), de onde o proto-indo-iraniano *máryas ("jovem"), sânscrito मर्य (márya, "pretendente, jovem"), do grego antigo μεῖραξ (meîrax , "jovem"), e do armênio antigo escuderia (mari, "pássaro fêmea, galinha").

Ahura-Mazdah < | Assara / Asura | Mazda / Mazaš < Ashur

| Mazaš < Mazû + ash > Mazitu.

O termo Mazû é um adjectivo qualificativo para cerveja cujo feminino éMazitu. A cerveja esteve sempre ligada ao deus Enki / Ea e, por isso também e pela embriagues que provoca, ao poder mântico e à loquacidade pseudo filosófica com que se fermenta a sabedoria. Por isso este conceito teve seguramente uma relação com a mesma sabedoria que faz com que o termo persa de que deriva Mazda seja suposto significar a “inteligência e a sabedoria no feminino...o que deixa a suspeita de que este termo fosse cretense porque arcaico e matriarcal como sempre foi o “Espírito Santo” e a “Santa Sofia” que afinal estes deuses alados já eram desde o disco solar alado e de Anzu.

"Mazda", or rather the Avestan stem-form Mazdā-, nominative Mazdå, reflects Proto-Iranian *Mazdāh (female). It is generally taken to be the proper name of the spirit, and like its Sanskrit cognate medhā, means "intelligence" or "wisdom".

                                                > Sacar, deus da aurora!

                     Ahura < Sakura< Ka-kura | Mazda | Mashta < Meash

<Ma-ash > (Cobra) «Macho».

                                               > Sataran > Saturan> Saturno.

Ahri < Ahir < Ahur(a) < Anhur < Ankur ó Kur-an> Krono.

                                               > Anhru > Anro ≠ Urano???

| man< Mainyus < Mianish(us) < Mean-ish < Minus > Anat. MEN.

 

Ver: AURA MAZDA (***)

 

Nesta linha de conotação se verá que Aura Mazda (< Kaur Makaki) não seria senão uma evolução em ambiente persa do antepassado Hermachu do nome de Hermes.

Mahes = Divinità originaria di Leontopolis, figlio di Basteted (< Ki-ash-kikate => | Hesta/Veta |-Hecate ) alleato di Ra nella lotta contro il drago Apep.

Dito de outro modo, também no Egipto, terra de todos os arcaísmos míticos, persistia a memória de Machu enquanto filho da deusa mãe do fogo, aliado de e, tão-somente, por ser apenas mais uma variante da mesma divindade.

Não menos interessante é pensar que Macho pode ter tido como feminino Macha explicando-se assim o nome homónima deusa celta, tal como tudo indicia que Hermes tenha tido por parédro feminino Artemisa, por sinal numa linha de virgens negras e deusas mães de conotação máscula! Nesta linha se insere o estranho epíteto de Atena Promachos. De qualquer modo a conotação máscula que o português empresta ao termo «macho» pouco o nada terá a ver com a musculatura masculina a qual, pelo contrário, longe se ser causa mais será uma sequência étmica envolta no carisma dos cultos de fertilidade que estiveram na génese deste deus. De resto, os picos das altas montanhas eram óbvios símbolos fálicos, o que está de acordo com o que se descobriu até aqui. Do mesmo modo se pode inferir que de Meash derivou o prefixo latino max- de tudo o que é excelso como as altas montanhas das neves eternas e, por isso, metáfora de tudo o que tem o máximo de elevação e dignidade. Porém, o mais interessante será verificar que a sublimidade do nascer do sol levou à criação destes augustos conceitos, tão míticos quão astrológicos, demonstrando mais uma vez que a mitologia antiga não era mais do que uma religião solar centrada num embrião de astronomia!

 

Ver: ALVOR – A MONTANHA DA AURORA E AS ORIGENS DO NOME DE HERMES

 

Não é a primeira vez que a fonética grega é rejeitada em detrimento de modernas fonéticas restauradas à luz duma escrita que foi sempre essencialmente ideográfica e não fonética. A fonética derivada da leitura dos hieróglifos não pode, obviamente ser suficientemente segura para por em causa as adaptações da mitologia egípsia que os gregos ptolemaicos fizeram de ouvido! Nesta caso, pelo menos, Hermachis, por estar mais próximo da etimologia de Hermes, pode estar mais próximo da fonética original do que Har-em-akhet (< Kar ame Kathe). Existem santuários de Hermes Kriophoros e de Hermes chamados Promachos. Eles explicam o sobrenome anterior por uma história de que Hermes evitou uma pestilência da cidade carregando um carneiro pelas paredes; para comemorar isso, Calamis fez uma imagem de Hermes carregando um carneiro nos ombros.

Telégono foi também um herói micénico da época de Ulisses o que nos permite suspeitar que o fundo deste mito é, pelo menos, da época micénica.

Tendo sabido por Circe quem era seu pai, Telé-gono ("o nascido longe") partiu à procura de Ulisses. Desembarcou em Ítaca e começou a devastar os rebanhos que encontravam. O velho e alquebrado herói saiu em socorro dos pastores, mas foi morto pelo filho. Quando este tomou conhecimento da identidade de sua vítima, chorou amargamente e, acompanhado de Penélope e Telê-maco, transportou-lhe o corpo para a ilha de sua mãe Circe. Lá a senhora da ilha de Eéia fez com que Telégono desposasse Penélope e, ela própria, Circe, se casou com Telémaco.

Tele-| Maco < ma-Kiko > makho | > Τηλέ-μαχος, Tēlemakhos

Tele-| Gono < Gau-no < gino > Ki-An > *Kino > | Telepino.

                    >Ter-e-kon> Thrakonó Dagon.

Telégonoé também uma variante lendária de seu irmão Telémaco e do mítico Telepino, o deus hitita da fertilidade agrícola e, por tanto, o equivalente local dos deuses pascais e de Dagon, também um deus dos mortos como Osíris…depois de ter sido um deus civilizador do mundo.

Assim como não sabemos a etimologia da mulher, mulier, latina apenas podemos especular que a dicotomia vir-ilis / muli-ebris teria sido, na origem, idêntica à dicotomia «macho» / «mula».

 

Ver: DEUSES LATINOS- AS DEUSAS DA FERTILIDADE E DO PARTO; DA SORTE E DA FORTUNA (***)

 

«Macho» < masclu < Lat. masculus ó Lat. mūsculus > *musclus >

> muclus ó *muhlus < μύκλος < μυχλός / Feníc. mukhlós “burro garanhão”.

                     *muhlus > mulus > Lat. mula > «mula».

Obviamente que um macho homem que não tenha virilidade musculada passa por efeminado e por isso a derivação do «macho» lusitano a partir do Lat. masculus teria mesmo que tropeçarna etimologia do musculo. «Macho» < galaico-português macho, < latim vulgar masclus

< latim mas-culus (“maculino”) < mās (“homem”), -culus (sufixo diminutivo)

= homenzinho? Cusinho (-culus) de homem? Mariquinhas?

Ora, -culus = Lat. culus / culi = cuzinho, ânus < proto-itálico *kūlos,

ó irlandês antigo cúl (“fundo”).

Obviamente que a semântica de «másculo» é o oposto do que a sua suspeita etimologia pode levar a pensar o que levanta a dúvida razoável de que a etimologia tradicional seja uma falsa etimologia popular.

Lat. mas, maris < *malis < Origem desconhecida. < Sumer. mashu

> mashu-lu, lit. homem (lu) do monte mítico primordial Machu

> homem forte e viril > *maskulu > latim masculus (“maculino”)

> por elipse, mas, ficando por explicar o genitivo maris.

Pois bem, a única maneira de explicar esta estranheza é a seguinte:

Como o latim arcaico cometia frequentemente o pecado gramatical do rotacismo na substituição do [s] pelo [r] que se mantinha sobretudo nos nominativos clássicos suspeita-se que o rato latino mus, muris seria mur, muris e o macho latino mas, maris seria do mesmo modo mar, maris.

Mās, măris (n. mare, rare; I.gen. plur marium, Cic. Part. Or. 10, 35; Mel. 3, 9, 5), adj. prob. from Sanscr. root man, think; manus, man, human being; cf.: memini, moneo, etc., male, masculine, of the male sex: “mare et femineum sexus,” App. de Mund. p. 66 med.: “maribus (sc. diis),” Cic. Leg. 2, 12, 29: “si marem (anguem) emisisset ... si feminam, etc.,” id. Div. 1, 18, 36; id. Part. Or. 10; so, “emissio maris anguis (opp. emissio feminae anguis),” id. Div. 2, 29, 62: mas vitellus, a male yolk, i. e. which would produce a male chick, Hor. S. 2, 4, 14.—Of plants: “ure mares oleas,” Ov. F. 4, 741.— A Latin Dictionary. Founded on Andrews' edition of Freund's Latin dictionary. revised, enlarged, and in great part rewritten by. Charlton T. Lewis, Ph.D. and. Charles Short, LL.D. Oxford. Clarendon Press. 1879.

Tradicionalmente teorizado como sendo do protoindo-europeu *méryos ("jovem"), de onde o proto-indo-iraniano *máryas ("jovem"), sânscrito मर्य (márya, "pretendente, jovem"), do grego antigo μεῖραξ (meîrax, "jovem"), e do armênio antigo մարի (mari, "pássaro fêmea, galinha"). Mas isso não pode explicar a fonética resultante, particularmente o a-vocalismo. Foi conectado com mas-turbor e com mālus ("polo").

Então, antes que se ponha o «macho» a derivar duma fêmea como já parece ter sido a segunda tentativa temos que aceitar que a etimologia oficial termina num beco sem sentido.

Mās, măris< origem desconhecida. Mas...

Foi conectado com mas-turbor e com mālus ("mastro").

E mais uma vez a tentação para cair na asneira é terrível:

Mālus ("mastro") < Do proto-itálico *malos, relacionado ao mallom oscano e mallud ("mau"), provavelmente do PIE *mel- ("enganar"), cognato com melas lituanas ("mentira") e o primeiro elemento do grego antigo βλάσφημος (blásphēmos, "jinx"). Alternativamente, do protoindo-europeu *(s)mal-, seria então um cognato com o inglês smol. Originalmente associado ao grego antigo μέλας (mélas, "preto, escuro"), mas o apoio para isso está diminuindo. Also compare Avestan mairiia, ("traiçoeiro") e sânscrito मल (mala, "sujeira, impureza").

Quem teria a ver um mastro com enganadoras mentiras blasfêmas, escuras traições e outras sujeiras impuras? Obviamente que o que estamos a tomar por origem nascente do nome dos «machos» é apenas a consequência dos rio de «maus» actos destes que desagua num mar de lassidão humana. Sim, de facto o macho másculo definia-se pela sua capacidade reprodutiva manifestada na virilidade do seu «falo» ou pólo sexual masculino que tinha por semelhança figurativa o monte Meru, fonte de toda a força cosmogónica do mundo e da humanidade. Claro que o nome mítico do monte Meru seria, como vimos, comum à cultura Egeia e Egípcia e chegou ao oriente do rico manancial de cultura neolítica que seria a ilha de Creta onde sabemos que a Deusa Mãe era a suprema progenitora como é natural confirmar e por isso não está desacertada a relação de Meru com Maria e Marta e estas com o deus Martu dos amorritas e o deus Marte e São Martinho da latinidade. Porém, isso não confirma as teses que fazem derivar *Mar, maris e o latino maritu de μεῖραξ ou dePIE *mel- ("enganar"). Todos os «machos» são Mários “enganadores” de fêmeas mas não é essa a essência do seu nome que como vimos deriva da força criadora do monte Meru que na suméria era Machu, facto que permite fechar a equação:

«Macho» < Sumer. Monte Mashu

ó Hindu Monte Meru > *maru > Lat. mar, maris. < *max < Monte Machu.

Assim, suspeita-se que o «macho» lusitano já por cá andava à muito tempo (pelo menos desde do tempo dos fenícios, assírios e caldeus) e, por outro lado, que o termo latino sofreu rotacismo porque seria inicialmente mas< *max < Machu.

 



[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Scorpion_man


domingo, 7 de janeiro de 2024

DEUSES LATINOS – AS VACAS SAGRADAS LATINAS, por A. Felisberto.

 

 

VICTORIA.. 1

VITULA.. 18

VACUNA.. 22

VICA POTA.. 29

MEAN ou Meian.. 34

PAX.. 35

 

VICTORIA

Figura 1:  Victoria de Pompeia.

O culto da Vitória em Roma pode ser rastreado até as religiões itálicas:

clip_image004

Figura 2: Caesari Divi Filius. Victory, draped, standing left on globe, holding wreath in right hand and palm in left.

O Altar da Vitória foi instalado na casa do Senado romano (a cúria) por César Augusto em 29 AC. C. A estátua representava uma mulher com asas, segurando uma palma e descendo para entregar uma coroa de louros ao vencedor. A estátua foi capturada pelos romanos em 272 AC. C. ao rei Pirro do Épiro.

a Vacuna dos Sabinos, ainda popular no início do Império, interpretada pelos romanos ora como deusa-mãe e protectora dos campos (Ceres), ora como caçadora e protetora dos bosques (Diana), ora como deusa guerreira (Minerva, Bellona), era considerada uma Vitória indígena, protectora de sua terra e de um povo. No final da República, o maior teólogo do tempo de César, Varrão, identificou Vacuna com Vitória; altares em Vacuna trazem como motivos ornamentais a palma e a coroa, atributos comuns de Vitória. Finalmente, Dionísio de Halicarnasso, sem nomear Vacuna, declara que a Vitória foi altamente honrada em Sabinia, e cita como um dos principais santuários da deusa numa ilha no lago sagrado de Cotiliae;

a Vica Pota dos latinos, que ainda possuía um templo na Roma imperial, também passou por ser uma Vitória: Aedes Vicae Potae, em Lívio, aedes Victoriae, em um gramático da época de Nero, designa o mesmo templo, situado aos pés da Velia. De acordo com a tendência da religião romana de qualificar a divindade por cada um de seus atos, Vica Pota teria significado tanto a vitória quanto o poder que resulta da vitória (vincere-potiri); tal, pelo menos, é a etimologia que Cícero dá desse termo;

outra deusa antiga do Lácio, Vitula ou Vitélia, teria simbolizado o regozijo que se segue à vitória (vitulari).

Victoria era a deusa personificada da vitória na antiga religião romana. Ela é a equivalente romano da deusa grega Nikê e foi associada a Bellona. Foi adaptada de Vacuna, a deusa agrícola sabina que tinha um templo no Monte Palatino.- Wikipédia

Não é com altares nem trigo moído que a vitória auspiciosa prevalece. É o trabalho incansável, a coragem rude, a energia de espírito insuperável, o zelo ardente, a contundência, o meticuloso, que conferem a vitória e a força total no manejo das armas. Se os homens em guerra Se faltar isso, então, mesmo que uma Vitória dourada abra suas asas brilhantes em um templo de mármore, uma figura elevada que custou um grande preço, ela não estará ao lado deles, e suas lanças viradas parecerão mostrá-la ofendida... É a mão direita de um homem, e um Deus Todo-poderoso, não uma guerreira com cabelos penteados, pairando descalça, amarrada com uma faixa, enquanto o manto que cobre seus seios inchados flui em dobras soltas sobre seu peito...Queres tu, rica Roma, adornar o teu Senado? Pendurar os despojos que as armas e o sangue conquistaram; amontoar, para assinalar a tua vitória, as coroas dos reis que mataste; mas quebrar os horríveis ornamentos que representam os deuses que tu rejeitaste. Então será te preservada no meio do templo a memória da vitória não conquistada apenas na terra, mas além das estrelas. - Prudentius, Contra Symmachum (Against Symmachus II).

O status quaestionis foi muito bem resumido numa importante monografia de Tesse Stek. Em primeiro lugar, concorda-se agora que, com a possível excepção da repressão das bacanais, a República Romana não mostrou qualquer sinal de intervenção religiosa directa fora do território do próprio ager Romanus2. Em segundo lugar, os estudiosos concordam que a associação entre a influência religiosa romana, a colonização e certas evidências materiais (isto é, presentes votivos anatômicos, pocola e templos da Capitólia) é altamente complexa, e a maioria dos argumentos depende de evidências que não podem ser datadas antes do primeiro século AC.

Stek emprega uma abordagem muito cautelosa e critica firmemente o erro metodológico de atribuir automaticamente um valor particular de identidade (“romano”) a certos tipos de evidências materiais (por exemplo, presentes votivos anatômicos). Contudo, em diversas passagens da sua monografia, opta por considerar Vitória uma deusa tipicamente romana, carregada de forte significado político. No santuário de Pietrabbondante, onde foi encontrada uma dedicatória à deusa, ela é considerada um exemplo de “modelo romano […] apropriado e usado contra Roma”. Ela é uma “deusa romana [...] evocada muito provavelmente na esperança de uma vitória sobre os romanos” (p. 50). O mesmo acontece com as dedicatórias a Vitória ligadas ao vicus Supinum (Trasacco, AQ), onde Vitória deveria ser considerada uma “introdução ‘romana’” (p. 164). Embora Stek não exclua totalmente uma ligação a cultos anteriores (ele argumenta que Victoria deveria estar relacionada com Vica Pota, que se acredita ser a protetor do vicus), ele pensa que o “conceito/divindade de Victoria parece ter sido uma resultado muito específico dos processos sócio-políticos na própria Roma no final dos séculos IV e III a.C., levando à popularidade e mesmo à invenção de qualidades divinas neste período”, e in vicus Supinum a deusa deve ser interpretada como um sinal de Romanização através da influência da colónia vizinha de Alba Fucens (p. 164)4. Pensando assim, Stek está em muito boa companhia: Adriano La Regina, o primeiro editor da inscrição de Pietrabbondante, e Cesare Letta, que publicou muitas contribuições importantes sobre a epigrafia da região do Lago Fucine, ambos acreditavam que as dedicatórias a Victoria deveriam ser entendidas como imitações de modelos romanos, enquanto Rufus Fears argumentava que Vitória, juntamente com outras virtudes ou qualidades divinas, devem ter-se desenvolvido sob a influência helenística não antes do século III a.C.6. Anna Clark, que publicou um trabalho recente e importante sobre Qualidades/Virtudes divinas na Roma Republicana, costuma ser muito cautelosa ao ver nas Virtudes divinas exemplos de “Romanidade”, e alerta-nos que este tipo de divindades era muito mais antiga que o Helenismo. No que diz respeito a Vitória, porém, ela vê nos idiotas de Pietrabbondante e Trasacco a introdução de uma deusa romana: no primeiro caso teríamos uma Vitória politicamente carregada, “apropriada de Roma e inscrita contra Roma de uma forma que lembra um pouco o propósito da cerimônia romana de evocatio”[1] (p. 198), neste último ela “parece novamente ter sido adotada de Roma” (p. 199). (...)

1. Victoria em Roma:

Victoria é legitimamente considerada parte do fenómeno religioso geral representado pelas Virtudes ou Qualidades divinas 13. Este não é o lugar para discutir os problemas relacionados com o estudo dessas divindades, mas alguns fatos básicos devem ser declarados para abordar o assunto deste artigo. Os textos republicanos tardios de Cícero e Varrão tendem a descrever essas Virtudes como divindades que levam o nome do benefício que proporcionam 14. Neste sentido, portanto, Vitória é a deusa que confere a vitória, Salus confere bem-estar e segurança, etc.

Na Antiguidade, as virtudes divinas nunca são associadas a personificações. A personificação era uma ferramenta retórica denominada prosopopeia em grego e conformatio em latim, que consistia em criar personagens ficcionais e atribuir-lhes determinada aparência e discursos 15. Os personagens fictícios evocados diante do público em discursos poderiam ter sido quase qualquer coisa: uma cidade, uma pessoa viva ou morta, um deus ou deusa, uma qualidade. Os exemplos mencionados em antigos manuais de retórica deixam claro que a personificação não era empregada apenas na oratória, mas também na literatura e no teatro. Uma passagem de Dion Crisóstomo deixa claro que as personificações também são usadas nas artes visuais, e os artesãos poderiam empregá-las à vontade (Orat. 4, 85). O primeiro estudioso a associar personificações neste sentido às religiões antigas foi Jacob Grimm, mas essa interpretação não encontra qualquer justificação nas evidências antigas 16. Isso significa que quando encontramos ocorrências de Victoria em textos literários ou representações iconográficas, devemos distinguir quando ela pretende ser uma deusa e quando ela é simplesmente uma personificação da vitória, um personagem ficcional que poderia ser usado em vários níveis de comunicação. Só podemos ter a certeza de que Vitória é uma deusa quando encontramos provas directas de adoração, como a menção de sacrifícios ou templos em textos literários, ou inscrições que atestam dedicações a Vitória como deusa. portanto, no que diz respeito a este artigo, não considerarei as fontes antigas nas quais Vitória é, em maior ou menor grau, uma personificação, como em algumas passagens de Plauto ou Tito Lívio 17.

Dionísio de Halicarnasso escreve que havia um antigo santuário de Nike no Palatino, que foi fundado por Evandro e os Arcadianos e que ainda era homenageado com sacrifícios em sua época (1, 32, 5). Com a notável excepção de Franz Altheim, que pensava que Vitória era de facto uma deusa romana arcaica 18, os estudos modernos tendem a não dar a esta informação qualquer tipo de crédito 19. Acredita-se, na melhor das hipóteses, que Dionísio possa estar se referindo a alguma outra deusa, posteriormente identificada com Vitória, como Vacuna, Vica Pota, ou outras 20. Contudo, se a informação dada por Dionísio fosse fiável, seria razoável pensar que ele está a falar de Vitória, e não de alguma outra deusa que também poderia ser referida como Nike. Muito provavelmente Dionísio está simplesmente se referindo ao templo republicano médio, cuja presença talvez tenha sido projetada na Roma Arcaica por antiquários republicanos tardios. Não se pode excluir, contudo, que existisse um local de culto de Vitória anterior ao templo republicano médio: como veremos, as evidências de Praeneste tornam esta possibilidade pelo menos plausível. Uma estátua de Vitória no Fórum esteve envolvida num prodígio ocorrido em 296 a.C., quando foi encontrada do seu pedestal (Zonar. II p. 170 Dindorf = Cass. Dio 8, 28). Ao mesmo tempo, sangue, leite e mel foram derramados nos altares do Capitólio. Um certo Mânio, o etrusco, explicou os dois prodígios como favoráveis aos romanos, porque a Vitória avançou e os altares do Capitólio ficam manchados de sangue quando se celebram triunfos 21.

O primeiro templo de Victoria em Roma foi fundado por L. Postumius Megellus em 294 AC. Lívio afirma que antes de deixar Roma para travar a guerra em Sâmnio, Póstumo, então cônsul, dedicou um templo de Vitória no Palatino, que financiou com fundos recolhidas quando era edil curule (Lívio 10, 33, 9) 22. Os romanos começaram a cunhar moedas representando Vitória por volta de 250 aC 23. Em 216, o Senado aceitou como presságio de vitória a oferta de uma estátua dourada de Nike oferecida por Hierão de Siracusa, aliado de Roma desde a primeira guerra púnica, e colocou a estátua numa parte do Capitólio, onde provavelmente era um monumento e objeto de adoração (Lv 22, 37)24. Posteriormente, o templo de Vitória no Palatino foi usado para abrigar a pedra negra da Magna Mater quando foi trazida para Roma em 204 aC (Liv. 29, 14, 14). A Magna Mater foi trazida a Roma após uma consulta aos livros sibilinos, que se seguiu a um prodígio: é possível que ela tenha sido colocada no templo de Vitória como presságio de vitória 25. Um outro templo foi construído por M. Pórcio Catão, que liderou uma difícil campanha na Espanha em 195 a.C.: após seu retorno celebrou o triunfo, e dois anos depois dedicou um templo a Vitória Virgem 26 (Liv. 35, 9, 6). Uma moeda de 89 a.C., emitida por M. Cato, representa uma Vitória sentada com a inscrição VICTRIX e é normalmente interpretada como a estátua de Vitória Virgem (RRC 343/1, com o comentário de Crawford). Sula ergueu troféus para comemorar sua vitória no local da batalha de Queronéia em 86 a.C., com uma dedicação a Marte, Vénus e Vitória, e mais tarde instituiu o ludi Victoriae em 82 a.C., de 26 de outubro a 1º de novembro 27. César instituiu, por sua vez, ludi Victoriae em 45 a.C., celebrada de 20 a 30 de julho 28.

3. Vitória na Itália Republicana. As evidências relativas à adoração de Vitória na Itália são principalmente epigráficas.

Figura 3: Vitória em espelhos vindos de Praeneste (Palestrina).

Os cultos locais são atestados por dez inscrições, e outras evidências vêm de textos literários. Seis das dez inscrições não são dedicatórias votivas, mas lendas sobre instrumenta domestica, cistas e espelhos prenestinos. A maior parte das evidências está em latim, com uma inscrição em oscan. As evidências mais antigas são as representações de Vitória em espelhos e cistas vindas de Praeneste. Um espelho de excepcional importância também evidencia o culto à Fortuna (CIL 12 2498)33, datado de cerca de meados do século IV a.C., onde os caracteres podem ser reconhecidos por estarem rotulados com inscrições (Fig. *3).

Em primeiro plano vemos Fortuna abraçando Minerva, e ao fundo um personagem chamado Hiaco cavalga uma carruagem puxada por feras, com outras feras ao seu redor, enquanto uma Victoria alada o coroa. A estreita associação entre Fortuna e Minerva provavelmente significa que Fortuna é aqui entendida como uma deusa. Franchi De Bellis argumentou recentemente que Hiaco deve vir do grego Iakchos e deve, portanto, ser identificado com Baco / Dionísio 34. Escusado será dizer que a cena que representa o triunfo de Hiaco é bem a hipótese linguística de uma derivação do latim triunfo de thriambe, e a possível ligação com cerimónias em honra de Dionísio 35. Seja como for, a presença de Vitória num contexto que parece ser mais cerimonial do que puramente mitológico, ao lado de Fortuna e Minerva, pode indicar que Vitória deve ser interpretada como uma deusa e não como uma personificação. Victoria também está representada numa cista que representa um encontro de vários deuses e deusas, identificados com inscrições (CIL 12 563 = ILLRP 1198)36. Os personagens centrais da cena são Minerva (menerva) e Marte (marte), com a ajuda de outros deuses. Victoria (vitoria) está nas mãos de Minerva, segurando uma coroa de flores. A cista deverá ser datada da primeira metade do século III a.C. É razoável pensar que neste contexto de encontro divino Vitória deveria ser interpretada como uma deusa. O mesmo deve ser observado em relação a uma cista datável do século III a.C., na qual os caracteres também são identificados com inscrições (CIL 12 568)37.

Iuppiter ([dies]pater) senta-se em um trono, ao lado de uma personagem feminina ferida (provavelmente Iuno), seguido por uma cista. Aqui estão outros espelhos e cistas dos séculos IV/III aC representando Vitória, mas parecem representar cenas meramente mitológicas nas quais Vitória preferiria parecer uma personificação, e que dificilmente podem ser usadas como evidência de um culto, embora as cenas representadas permaneçam aberto à interpretação 38. Outra evidência importante consiste em um strigil marcado, contendo a inscrição ΥΓΙ(Γ)ΕΙΑ ΝΙΚΗ (IG 14 2408, 12 = n. 95 Jolivet)39.

(...)

Se esta interpretação estiver correta, teríamos uma deusa com o epíteto nike no século IV ou no início do século III aC, na Itália central – talvez de Praeneste, o provável centro de produção. A escolha da língua grega para os strigils produzidos localmente é certamente significativa e implica uma aspiração a um certo grau de identidade grega, embora elaborada de forma distintamente local. A partir desta evidência, parece que Victoria já era adorada em Praeneste no século IV a.C., o seu culto foi influenciado por diversas influências que incluíam elementos gregos, e pode mostrar ligações com a cerimónia de triunfo.

(...)

Segundo Letta estas inscrições confirmam a presença de um templo de Victoria. Letta observa que a deusa Vitória não parece ser popular entre as populações sabelicas e a sua introdução em Supinum deve ser interpretada como uma influência romana direta. A presença de magistrados chamados questores também provaria que as instituições marcianas foram profundamente influenciadas pelos romanos já no final do século III aC. Letta acredita que Vitória foi introduzida na região nas mesmas circunstâncias da dedicação da inscrição mais antiga, ou seja, nas fases finais da guerra de Aníbal e foi, portanto, adoptada de Roma, talvez através da influência da colónia próxima. ônio de Alba Fucens 46. sua interpretação é seguida tanto por Anna Clark quanto por Tesse Stek47. Cesare Letta acredita que os deuses atestados na região de Marte entre os séculos III e II a.C. não apresentam fortes influências romanas, apesar da adoção precoce da língua latina na área, e acredita que Victoria seja a única exceção 48. Victoria, no entanto, não é atestada em Alba Fucens, e me pergunto até que ponto é plausível que ela tenha sido percebida como uma divindade romana pelo povo de vicus Supinum.

Um altar inscrito de Victoria (ILLRP 30 = CIL 12, 2631: Victo|rie) foi encontrado em Macchiagrande, nordeste de Veii, perto de um dos portões da cidade. No local foram encontrados oito altares, seis com dedicatórias a Apolo, Iuppiter Libertas, Minerva, Pitumnus 49, e um a um dis deabus coletivo (ILLRP 27-29, 31 = CIL 12, 2628-2630, 2632). Degrassi datou as inscrições no século III aC (d ILLRP 27-31). Segundo Torelli, a área sagrada foi provavelmente criada por colonos romanos, e o grupo de deuses deveria ser uma mistura de elementos locais e romanos, que se relacionariam com a conquista romana de Veii no século IV a.C.50. O culto a Vitória teria sido estabelecido, portanto, para celebrar a conquista romana e o início da colonização. Torelli sugeriu recentemente que a área sagrada deveria ser datada entre os séculos III e II aC 51. Acredito que isso torna improvável qualquer ligação direta com a conquista romana da cidade. Além disso, temos evidências epigráficas de Veii mostrando que os etruscos ofereciam presentes às deusas em latim já a partir do século III a.C.52. Isso torna ainda mais duvidoso que Vitória aqui deva ser percebida como uma divindade romana peculiar.

Sabemos de uma inscrição osca numa tábua de bronze com uma dedicatória a Vitória (Víkturraí) de dois indivíduos, Marus Staius e Lucius Decitius, encontrada perto do Templo B em Pietrabbondante (Imagines Italicae, Terventum 20 = Sabellische Texte, Sa 24). 53. A estrutura foi notoriamente interpretada como um santuário federal dos samnitas durante a Guerra Social (aparentemente, o santuário deixou de ser usado imediatamente após a guerra, embora isto seja contestado) 54. A dedicação a Vitória costumava ser a única inscrição votiva conhecida nas proximidades do santuário, e Adriano La Regina, o primeiro editor da inscrição, sugeriu que todo o templo era provavelmente dedicado a Vitória. Ele também argumentou que a ocasião da inscrição pode ter sido um episódio da Guerra Social, porque a popularidade de Vitória entre os aliados italianos é atestada pela sua cunhagem, na qual Vitória é atestada 55. Contudo, como discuti acima, a evidência numismática não pode ser associada à deusa Vitória de uma forma simples. Já mencionei que Anna Clark e Tesse Stek relacionam a Vitória em Pietrabbondante com a Guerra Social e a consideram uma deusa romana. O editor de Imagines Italicae, contudo, parece ser mais cauteloso neste ponto, pois data a inscrição no século II a.C. (ad loc.). As circunstâncias da dedicação são totalmente obscuras e, portanto, é duvidoso que tenha algo a ver com a Guerra Social. Oscan Víkturraí é tecnicamente um empréstimo do latim, e isso pode implicar uma derivação de Roma ou Lácio 56. No entanto, isso não implica que a deusa fosse considerada romana, pois a sua presença num santuário samnita sugere fortemente o contrário. Descobertas recentes em Pietrabbondante incluem a dedicação de uma estátua de Hanúseís, que se acredita ser o equivalente oscano de Honos e, neste caso, certamente não é um empréstimo 57. Por mais que possa parecer tentador postular uma ligação estreita entre a inscrição de Victoria e a Guerra Social, ficaria cético quanto a fazê-lo. É um pequeno presente votivo privado, e uma interpretação excessivamente política e anti-romana da inscrição é duvidosa. Se a datação proposta em Imagines Italicae estiver correta, a inscrição pode não ter nada a ver com a Guerra Social. (...)

Victoria pode ter sido adorada no Lago Cutilia. Dionísio de Halicarnasso escreve que no meio do Lago Cutilia (perto de Reate) existe um culto local de Nike, a quem eram oferecidos sacrifícios regulares 62. Tem sido costume nos estudos modernos, pelo menos desde Preller, identificar esta Nike com a deusa Vacuna. Embora o argumento raramente seja explicado, esta reconstrução baseia-se, por um lado, num fragmento de Varrão, que acredita que Vacuna deve ser identificada com Victoria (Ant. rer. div. fr. 1 Cardauns), por outro lado, no suposição de que Dionísio deveria seguir Varrão no que diz respeito à história inicial do Lácio. Acho que ambos os pontos são questionáveis. aqui estão dois argumentos contra a identificação entre Nike mencionada por Dionísio e Vacuna. Em primeiro lugar, deve notar-se que conhecemos pelo menos seis interpretações de Vacuna além de Victoria (Ceres, Minerva, Diana, Vénus, Bellona, dea vacationis *63), e é totalmente arbitrário dizer que Nike aqui significa Vacuna.

*63 Pseudoacr. ad Hor. Ep. 1, 10, 49: Vacuna alii Cererem, alii deam vacationis dicunt, alii Victoriam, qua favente curis vacamus. Vacunam apud Sabinos plurimum cultam quidam Minervae, alii Dianam putaverunt; nonnulli etiam Venerem esse dixerunt; sed Varro primo rerum divinarum Victoriam ait, quo dea maxime hi gaudent, qui sapientiae vacant (= Varr. Ant. rer. div. fr. 1: Cardauns); Porph. ad Hor. Ep. 1, 10, 49: Vacuna in Sabinis dea quae sub incerta specie est formata. Hanc quidam Bellonam, alii Minervam, alii Dianam dicunt.

clip_image008

Figura 4: Vitória nua entre varias divas nuas num frisos enigmático  duma cistae de Praenestina.

Outros dizem que Vacuna é Ceres, outros a deusa do lazer, outros Victoria, com quem nos cuidamos com vagar. Entre os Sabinos, alguns pensavam que era Minerva, outros pensavam em Diana; alguns até disseram que era Venus; mas Varrão diz que a primeira das coisas divinas é a Vitória, na qual essas deusas se alegram acima de todas as que estão vazias de sabedoria (= Varr. Ant. rer. div. fr. 1: Cardauns); Porfo. para Hor. Ep. 1, 10, 49: Vacuna é uma deusa dos Sabinos que foi formada sob uma forma incerta. Alguns a chamam de Bellona outros de Minerva, outros de Diana.

Em segundo lugar, não é certo que Dionísio aqui siga Varrão, e Jacques Poucet demonstrou que provavelmente não o fez 64. Deve-se concluir que esta passagem provavelmente se refere a Victoria e não a Vacuna. não há dúvida de que o culto deve ter existido na época de Dionísio ou de sua fonte. As evidências que discuti até agora mostram que Vitória era adorada até à região de Marte já no final do século III a.C. não há nada de improvável, portanto, num culto a Vitória em Sabinia no século I a.C., ou antes. Na época de Dionísio, o santuário poderia ter desfrutado de uma popularidade renovada, como aconteceu com muitos santuários italianos sob Augusto 65. (...)

Conclusões:

A evidência italiana para a deusa Vitória apresenta um quadro complexo e com várias camadas de desenvolvimento, o que convida a uma reconsideração radical tanto da interpretação tradicional de Vitória como uma deusa importada das monarquias helenísticas como da ideia de que ela era uma divindade peculiarmente romana. As evidências de Praeneste, e do espelho de Hiaco em particular, sugerem que no século IV a.C., muito antes da dedicação do primeiro templo em Roma, pode ter havido contextos cerimoniais não-romanos nos quais o culto de Vitória se desenvolveu e esses contextos foram provavelmente triunfais. Como em outros aspectos, consideramos o intercâmbio entre Roma e Praeneste muito importante para a história religiosa do antigo Lácio. Um contexto triunfal para o desenvolvimento inicial do culto de Vitória em Roma é confirmado pela interpretação do duplo prodígio relativo à estátua de Vitória no Fórum e nos altares do Capitólio, ocorrido em 296 a.C. em Roma. Os dois prodígios estavam ligados porque o Capitólio era o local onde se celebravam as vitórias (Cass. Dio. 8, 28: ta niketeria, ou seja, triunfos). Isto parece apontar para um desenvolvimento inicial do culto de Vitória num amplo contexto latino, em vez de num contexto especificamente romano. Uma influência grega antiga pode ter estado presente no desenvolvimento do culto a Vitória no Lácio, como mostra o strigil marcado em grego com as palavras ὑγιεία e νίκη, provavelmente epítetos de uma deusa. Embora seja plausível que existisse um santuário de Victoria em Reate, considerado arcaico no século I aC, a natureza da informação que possuímos não nos permite situá-lo no amplo contexto italiano. O santuário pode ter sido muito antigo e, neste caso, é razoável supor que a região desempenhou um papel no desenvolvimento inicial do culto à deusa Vitória no século IV a.C., ou pode estar relacionada com a expansão adicional do culto de Victoria nos séculos III e II AC. A imagem delineada acima demonstra claramente que o modelo proposto por Weinstock para o desenvolvimento de Victoria deve ser rejeitado. A deusa não foi importada pelos romanos das monarquias helenísticas e depois espalhada pelo resto da Itália por causa de suas conquistas militares. Pelo contrário, foi o resultado de um processo de longo prazo no Lácio e talvez noutras regiões, que envolveu elementos ligados a várias identidades locais e linguísticas, incluindo a iconografia grega e as cerimónias triunfais latinas. A cunhagem italiana representando Nike / Victoria ilustra a complexidade dessas interações no que diz respeito à iconografia. Por um lado, Victoria / Nike está representada nas moedas de cidades gregas na Itália a partir do século I a.C., e temos evidências de que os italianos que representaram Victoria / Nike nas moedas durante a Guerra Aníbal alegaram uma conexão direta com esta tradição grega (ver o Moedas lucanianas discutidas acima). Ao mesmo tempo, deve-se observar que as únicas cidades que cunharam moedas com Victoria / Nike nas quais há boas evidências do culto à deusa são Roma e, talvez, Cápua que lança sérias dúvidas sobre a suposta conexão direta entre as representações de Vitória em tipos de moedas e a adoração da deusa Vitória. A cunhagem, entretanto, deve ter sido um fator muito poderoso na difusão da iconografia. Evidências posteriores parecem mostrar uma possível influência romana ou latina na difusão da deusa a partir do Lácio, mas os contextos em que Vitória é adorada não são politicamente carregados. portanto, é bastante claro que ela não foi percebida como um sinal de “romanidade”. O caso de Cápua é particularmente importante para o meu argumento. Em Cápua pode ter havido um culto a Vitória, mas a história de Vestia Oppia não pode ser usada para demonstrar a percepção do “romanismo” da deusa. A inscrição de Veii vem de um território que estava sob controle romano, mas parece não haver nenhuma ligação direta com a conquista romana da cidade. A inscrição de vicus Supinum provém de uma comunidade provavelmente independente que sofreu diversas influências culturais, especialmente da Etrúria, Lácio e Campânia. É possível que Vitória tenha sido introduzida em associação com a língua e a cultura latinas, embora não seja certo que os adoradores a tenham percebido nestes termos. O caso de Pietrabbondante também mostra claramente que Vitória foi transformada numa deusa osca e que não foi acusada politicamente. Os primeiros vestígios da adoração da deusa Vitória na Itália são mais antigos que as monarquias helenísticas e não são de Roma. A partir do século III a.C., ela se torna cada vez mais popular, mas isso não parece estar ligado ao ascendente poder romano. Várias comunidades caracterizadas por diferentes identidades, línguas e culturas veneravam a sua própria Vitória de uma forma específica e distinta. Essas diferenças também foram expressões de diferentes maneiras de conceber o conceito. Victoria pode ser considerada um elemento de unidade e de distinção, mas não pode ser vinculada a uma identidade única e específica. -- How Roman was Victory?*he Goddess Victoria in Republican Italy, Daniele Miano.

E evidente que a entidade divina relacionada com a virtude do triunfo vitorioso da guerra teria que ser anterior à romanidade não apenas porque os textos republicanos tardios de Cícero e Varrão tendem a descrever essas Virtudes como divindades que levam o nome do benefício que proporcionam...e que neste sentido, portanto, Vitória é a deusa que confere a vitória, Salus confere bem-estar e segurança, etc. mas porque sempre foi este o papel das divindades: dar sentido e razão de ser à realidade. A questão que aqui se coloca e continua mal aflorada no texto acima longamente descrito: How Roman was Victory?*he Goddess Victoria in Republican Italy, Daniele Miano é a de saber se a deusa Vitória correspondia a um culto arcaico à deusa mãe da vitória dos latinos, que parece ter sido Vica Pota, e eventualmente dos italianos que tudo aponta ter sido Vacuna, ou uma mera personificação da vitória, um personagem ficcional que poderia ser usado em vários níveis de comunicação, que poderíamos considerar como tradução em latim do conceito da virtude que os romanos apreendiam quando em 216, o Senado aceitou como presságio de vitória a oferta de uma estátua dourada de Nike oferecida por Hierão de Siracusa, aliado de Roma desde a primeira guerra púnica, e colocou a estátua numa parte do Capitólio, onde provavelmente era um monumento e objeto de adoração (Lv 22, 37)24. Para o autor em referência, Daniele Miano, “a evidência italiana para a deusa Vitória apresenta um quadro complexo e com várias camadas de desenvolvimento, o que convida a uma reconsideração radical tanto da interpretação tradicional de Vitória como uma deusa importada das monarquias helenísticas como da ideia de que ela era uma divindade peculiarmente romana” o que parece querer dizer quea deusa da vitória da romanidade e a virtude desta deusa, já antes presente na grega Nikê, parecem confundir-se com o nome da deusa que veio a ser a Vitória da latinidade. No entanto tudo aponta para que o nome da “virtude” da Vitória tenha sido criado dentro da língua latina para traduzir o conceito da deusa grega Nikê.

A personificação latina ou deusa da vitória está frequentemente presente tanto nas cistas quanto nos espelhos. Ela é visível em 24 dos 90 corpos cistas, duas ou três vezes com seu nome inscrito, 54 e em 25 dos 206 espelhos, duas vezes com inscrição. Nem todas as mulheres aladas são Victoriae. Minerva nas cistas 16 e 46, Iris na 69 e Thetis no espelho 117, Aurora segurando uma sítula no espelho 147 e uma mulher parecida com Lasa com ramos no espelho 150 também têm asas.

As cistas mostram Vitória com ou sem coroa na presença de Aquiles (55, 101), Belerofonte/pégaso (32, 55 73), os Dióscuros (27, 31, 56 66, 108), Meleagro (6), Pólux (8, 68) e numa cena da guerra de Tróia (42). Ela simboliza a (futura) vitória de um herói em um duelo, guerra ou esporte (93). Ela também está presente em cenas que mostram sucesso no amor: O Julgamento de Alexandre (9), Helena e Alexandre (2, 89) e provavelmente Tétis (75). A famosa cista 5 mostra uma cena única com inscrições: Menerva (Minerva) cuidando de um jovem Marte acima de um dolium com fogo ou um líquido fervente na presença de outros deuses. Victoria está presente duas vezes, atrás de Menerva segurando uma coroa de hera e novamente sem inscrição, em pequena escala, voando acima de Menerva, para ilustrar a vitória de Marte sobre a morte, já que logo acima dele Cérbero é visível. Não está claro se a cena representa a iniciação de Marte (um batismo de fogo?; banho lustral?), nascimento, renascimento, libertação ou proteção contra o submundo. 57 A cena provavelmente mostra um mito local que não é conhecido nas fontes escritas da antiguidade. Duas Victoriae estão presentes, drapeadas e nuas, em um elaborado banquete/simpósio olímpico (59 (friso superior) onde têm o mesmo status que os outros deuses. O friso principal ilustra o sacrifício iminente dos troianos. Uma Victoria drapeada e uma Minerva armada estão no extremo direito. Victoria também está presente na cena de batalha do friso inferior. Em um caso, Victoria dançando ou descendo pode receber oferendas de um atleta (provavelmente um cavaleiro), prestes a coroá-lo com dois gravetos (94) .

Vinte e cinco espelhos mostram Victoria em outros contextos. Tal como a sua homóloga grega Nikè, ela está prestes a matar ou dominar um touro (67 e 156). Ela está presente em cenas que mostram o triunfante Dionísio montando uma triga e quadriga (86 e 91), Apolo e Mársias (107), Hércules (108, 109, 170, 127 (acima de uma biga desenhada por centauros)58, 99, 139), Sol passando por Tritão (21), Aurora montando uma triga com uma estrela atrás dela (100) e Júpiter? (74). Sol e Aurora representam a vitória da luz sobre as trevas. A coruja e a cobra no espelho 21 podem referir-se à viagem do Sol durante a noite. 59 Única é a mulher alada tocando flauta ao lado de uma dançarina com castanholas e um menino dançarino, que pode ser Amor (75). A cena é dionisíaca se a mulher que toca castanholas for uma mênade como na cista 116. 60 Vitória também está presente nas cenas de amor: como companheira de Vênus (espelhos 121, 137), e de Alexandre / Páris (62 com Minerva) e 163 (inscrito). No espelho 103, uma Vitória (Victoria) vestida de pé pousa a mão esquerda no ombro de uma mulher sentada, semi-envolta (Anima / Psique como pingente de Cupido?) ou de uma hermafrodita diante do cabelo masculino, rotulado com o enigmático certo. À esquerda, Venus segura a mão direita de forma protetora acima do Cupido. Victoria está de pé com um cisne em frente a um homem coberto com uma cortina ou a uma mulher com um ramo (97). A Victoria alada no espelho 38 segura um escudo que é o atributo usual de Minerva. Uma mulher coberta toca seu ombro. No espelho 55, um homem ou mulher sentado em uma cadeira cumprimenta Victoria, que está ao lado de um herma priápico. O espelho 159 (fig. 5) mostra Victoria segurando gravetos, em frente a uma mulher sentada, coberta com um sakkos como cobertura para a cabeça.61 Ao fundo, voltada para a esquerda, uma mulher coberta com um véu.62 A cena pode ser situada em um cenário divino ou contexto celestial, a julgar pela roseta e pequenos círculos que podem simbolizar estrelas. Esta interpretação é corroborada pelo espelho 2 (fig. 6) que mostra uma mulher semelhante velada, aqui com a boca coberta, uma mulher central, relaxada, drapeada, uma mênade como veremos, com mangas pontilhadas segurando um escudo, ladeada por grandes estrelas , e uma Victoria nua. A mulher descontraída com mangas pontilhadas, aqui certamente uma mênade,63 também está presente no espelho 10 (fig. 4) de frente para uma mulher vestida, enquanto Pã, à direita, se afasta. Entre essas senhoras está uma estrela. No dia 20 (fig. 7) uma mulher com mangas pontilhadas abraça um jovem sátiro. Ela abre o véu diante de uma silen que segura um filé. Com base nessas comparações, o espelho 159 provavelmente mostra um cenário dionisíaco. O mesmo pode ser verdade para o espelho 5, onde uma mulher nua no centro, provavelmente Vênus, é flanqueada por uma mulher coberta com um pano cuja mão esquerda segura um graveto e cujo dedo indicador direito está apontando para cima e por uma mulher velada cuja boca e parte do nariz está coberto. Dificilmente existem semelhanças composicionais entre as cenas de Victoria nas cistas e aquelas nos espelhos. Apenas Alexander/Paris coroado por Victoria está presente em ambos os meios de comunicação. Além disso, cenas de cistas e espelhos mostrando pessoas ou pássaros com uma coroa, um filete ou um ou dois ramos também simbolizam a ideia de vitória.

Nos espelhos 57, 71 e 166, uma coroa, ou filete, está pendurado acima da cena. Um filé paira sobre Hércules que segura uma clava e um cantharus no espelho 46. Na cista 1 um pássaro voa, com um filé, em direção a Perseu que segura a cabeça da Medusa. Como não há Victoria, Minerva ou Minerva alada 64, o filete deve simbolizar o sucesso do herói. Nas cistas 50 e 51, um pássaro com um ramo voa em direção a duas mulheres nuas em um labrum sob o qual uma silen sentada toca flauta.65 No espelho 18, um jovem semi-envolto segurando uma coroa de flores agarra uma mulher semi-envolta que está torcendo o cabelo dela. Quanto ao Amor com um dos atributos citados veja abaixo. 66 No espelho 83 Apolo tocando lira segura uma coroa de flores. No 47, uma Ariadna nua coroa Dionísio sentado e semi-envolto com uma coroa de flores na presença de Minerva. No dia 78 ela provavelmente recebe uma coroa de flores de uma bacante. Uma Vênus nua (?) oferece um filé a um guerreiro nu em 48. O espelho 49 mostra três mulheres nuas em uma cena de banheiro. A mulher central segura um ramo. O espelho 82 (inscrito) mostra Juno, com um ramo, e Júpiter, em um altar, tocando-se, e Hércules com sua clava. A cena pode ilustrar a reconciliação de Hércules com Juno, com referência à fertilidade (hermas mostrando vagina e falo). No 160, um silen nu segurando um caduceu oferece uma coroa de flores a uma mulher envolta em um ramo, ao lado de um objeto guirlandado sobre uma base que lembra um epinetron (protetor de joelho) usado em atividades têxteis. No 199, uma mulher sentada e coberta oferece um ramo a um guerreiro nu, em pé, com lança e escudo. A ideia de vitória também é visível em 72. A vitória é celebrada numa cena realista, em que um jovem semi-drapeado e uma jovem semi-drapeada estão ambos sentados e brincando numa sala à tabula lusoria. As inscrições dizem: opeinor à esquerda do homem e devincam te(d) à direita da mulher. Franchi De Bellis assume que a mulher diz ‘eu vou bater você’ (vencer) a que o homem responde ‘opino (que sim)’. 67. -- Ideologia de elite em Praeneste. Sobre as imagens de espelhos e cistas em formato de pêra, em: BABESCH 91 (2016) 105-128. Bouke Van der Meer, Universidade de Leiden.

Na verdade, as representações de Vitória das cistas e dos espelhos de Praeneste, tal como descritas por Bouke Van der Meer da Universidade de Leiden, não nos garantem uma descrição da personalidade de uma divindade especificamente romana, nem sequer nos garantem que estas representações tivessem sempre o nome da deusa romana da Vitória.

De facto, foram muitas as deusas aladas do helenismo e no formalismo figurativo etrusco até Atena era alada, sendo por isso difícil, à falta de explicito sobrescrito do nome, saber se estamos perante Vacuna, Vica Pota, Vitória ou Nikê senão mesmo a equivalente etrusca destas deusas do triunfo e da «vitória» não apenas em guerras, lutas e contendas como em disputas amorosas, lúdicas ou fúteis e banais.

Na maioria dos casos estas representações têm um contexto grego ou helenístico e se levarem o nome da deusa romana da Vitória é como se o nome destas entidades fosse traduzido para o latim.

Se parece que os romanos herdaram os atributos figurativos da Vitória da deusa sabina Vacuna e das latinas Vica Pota e Vítula, também nos parece ser do tipo dos deuses alegóricos criados propositadamente para traduzir idêntica deusa grega do triunfo nos jogos e contendas da vida civil e militar herdada da helenista Nikê. Ora, essa alegoria parece ter nascido do termo latino comum Victor, o vencedor e campeão, que teria por feminino victrix e não Vitória. Por isso se estranha que a deusa Vitória tenha tido o epíteto implícito de Vitória Victrix de acordo com Tonio Hölscher.

clip_image010

Figura 5: Ref Porcia 7 AR Quinarius: M Porcius Cato AR quinarius. 89 BC. Head of Liber right, crowned with an ivy wreath, M•CATO behind, differing symbols below / Victory seated right, holding palm and patera. VICTRIX in ex. Syd 597c, Cr343/2b.

A princípio, observemos o epíteto Victrix, que pode ser visto nessas moedas sob a imagem de Victoria Virgo; de acordo com Tonio Hölscher, este epíteto deve ser explicado como uma fórmula tautológica ou pleonástica implícita (Victoria Victrix) destinada a aumentar o poder da deusa em questão. 55 No entanto, na minha opinião, seria mais plausível pensar que o epíteto não se relaciona com a deusa, mas com a própria Roma, cujo nome aparece frequentemente no anverso das moedas cunhadas em homenagem a Vitória Virgem; assim, Victrix significaria Roma Victrix. (*)

56 [Johann B. Keune]. Victor (Vitrix). In: Wilhelm H. Roscher (ed.). Ausführliches Lexikon der griechischen und römischen Mythologie. Vol. VI. Leipzig 1937, Sp. 292. (…)

No entanto, este certamente não foi o único festival do ano em sua homenagem, porque, numa passagem que descreve a lendária instalação dos Arcádios de Evandro no sudoeste do Palatino, Dionísio de Halicarnasso descreve o culto oferecido no Palatino a Nike (Victoria), da seguinte forma: Díon. Hal., AR, I, 32, 5. “No cume da colina eles separaram o recinto da Vitória e instituíram sacrifícios a ela também, durando todo o ano, que os romanos realizavam ainda na minha época.” Tradução de E. Cary. – Romanos do século III a.C. em Frente à Deusa Vitória e seu Templo: Da argamassa e das pedras ao destino coletivo, Kārlis Konrāds Vē, Dr. (Universidade Paris-Sorbonne).

(*) Por outro lado há que notar que Roma se identificava com as deusas da Vitória particularmente com a sabina Vacuna tal como aparecia em moedas plageando figurativamente a deusa Atena de Atenas.

clip_image011

Figura 6: Moeda da República Romana, representando Vacuna (?), uma antiga deusa sabina, identificada por antigas fontes romanas e estudiosos posteriores com inúmeras outras deusas, incluindo Ceres, Diana, Nike, Minerva, Bellona, Vênus e Victoria.

clip_image013

Figura 7: M. Marcius M. f. AR Denarius. Rome, 134 BC. Helmeted head of Roma right; XVI monogram below chin, modius behind / Victory in biga right, M MARC ROMA in two lines below horses, divided by two ears of corn.

clip_image015

Figura 8: Rome, circa 250-240 BC. Head of Roma to right, wearing Phrygian helmet; symbol behind / Victory standing to right attaching wreath to long palm frond; ROMANO to left, ΞΞ to right.

clip_image017

Figura 9: Gold stater of Alexander the Great (17mm, 8.59 g, 3h). Memphis mint, circa 336-323 BC. Head of Athena right, wearing crested Corinthian helmet decorated with griffin, and necklace / AΛEΞANΔP-OY, Nike standing left, holding wreath in extended right hand and cradling stylis in left arm; kerykeion below right wing.

Victor, enquanto nome próprio, só aparece no latim tardio cristão. Embora parecesse que deste modo teríamos também o triunfo do pensamento utilitarista de que são as coisas, concretas ou abstractas, que dão nome aos deuses, a verdade é que, no limite, tal só terá acontecido no caso de deuses alegóricos que na realidade apareciam como coisas divinas de conveniência ideológica e política. Como não temos informações sobre a deusa romana da Vitória que nos esclareçam se esta deusa seria uma divindade de tradição romana por direito próprio ou se seria uma criação alegórica da época de Cícero, para fazer o papel de Nikê no panteão latino, partimos do pressuposto que esta deusa foi uma das primeiras alegorias da fértil teologia republicana romana de conveniência política.

«Victor» < Lat. Tardio vi(n)ctor = raiz do supino vic- + -tor = «venc-e-dor»

< Lat. vincō, vin-cere (= «vencer») vī(n)cī, vi(n)c-tum

Assim sendo, Vi(n)ctória = Lat. vi(n)ctor + -ia = a «glór-ia» do «vencedor»

< *Vi-na-na ki-taria

No entanto, a etimologia proposta para o latino vinco não é convincente.

Vinco < proto-itálico *winkō, do proto-indo-europeu *wi-n-k-, infixo nasal de *weyk- (“superar”), de onde também o gótico weihan (“lutar”) e o antigo eslavo eclesiástico вѣкъ ( věkŭ, “idade, longo período de tempo”).

Desde logo porque salta por cima da tradução directa deste termo latino para o inglês win e cuja etimologia proposta para esta última peca da mesma enfermidade: nada esclarece sobre o natureza e sentido de consensualidade universal da raiz última deste termo.

Win < inglês médio winnen, do inglês antigo winnan (“trabalhar, espremer, labutar, incomodar-se; resistir, opor-se, contradizer; lutar, esforçar-se, lutar, enfurecer-se; resistir”) (compare o inglês antigo ġewinnan (“conquistar, obter, ganhar; suportar, suportar, sofrer; ficar doente”), (...). Cognato com winnen do baixo alemão, winnen holandês, ge-win-nen alemão, vin-de dinamarquês, vin-ne norueguês e vinna sueco.

Sendo os termos comuns derivados de termos eruditos anteriores e estes de nome derivados de teologias ainda mais anteriores ou seja míticas fica claro que é mais fácil encontrar a etimologia dum nome divino autêntico e original do que dum nome comum ou do nome dum deus alegórico. No caso do latino vincare é fácil de encontrar neste várias idéias que passaram para o português como «vencer», «vingar» e «vincar» mas é mais difícil reparar que no análogo luso «fincar» próximo do inglês «finger» para dedo.

Engl. finger < inglês médio fynger, finger, do inglês antigo finger (“dedo”), do germânico proto-ocidental *fingr, do proto-germânico *fingraz (“dedo”), do proto-indo-europeu *penkʷrós, de *pénkʷe ("cinco").

Claro que não é estranho que de vez em quando o PIE acerta pois seja lá qual coisa for o que se oculta por detrás de *pénkʷe ("cinco") a verdade é que cinco são os dedos duma mão e dez (< decem), ou seja um «dígito» (< Lat. digitus > «dedo) a soma dos dedos das duas mãos com que se «vinca» a garganta do oponente, se «vinga» a honra da família, e se vence a luta pela sobrevivência. Ora a origem do «digito» está no latino «dico» que deriva da Deusa Mãe Idaea, Dictina ou Dice. Quanto ao conceito de «fincar» os dedos como as aves de rapina há que revisitar a mitologia da Esfinge.

 

Ver: A ESFINGE E A DEUSA MÃE LEONINA (***)

 

Assim a idéia anteriormente proposta noutro capítulo de que a Vitória seria literalmente a Vaca taurina da aldeia fica prejudicada embora se aceite que esta etimologia «popular» espontaneamente possível tenha influenciado a aceitação popular desta alegoria romana.

«Vitória» < Lat.Victoria < Wica-Tauria, lit.A vaca da aldeia”

< Lat vicus) ??? < Kiki-Tar > Ishtar???

«Vigo» < Lat. vicus< etrusco viku < proto-itálico *weikos

<proto-helênico ϝοῖκος (wóikos) < grego micênico (wo-ko /wojkos ("casa")

>grego antigo οἶκος (oîkos, "casa")

ó sânscrito víś, ("espaço de moradia"), gótico (weihs, "aldeia, lugar").

 

Ver: DA ÉTICA À ESTÉTICA

 

A evidência pode ser vista nas passagens citadas a seguir. Tito Lívio II, 7, 12, depois de contar como, no primeiro ano da República, P. Valério despertou suspeitas ao começar a erguer uma casa no cume do Velia, e como, indignado com a inconstância do povo, ele decidiu construir no sopé da colina, diz:

"Delata confestim materia omnis infra Veliam, et, ubi nunc Vicae Potae est, domus in infimo clivo aedificata = Todo o material foi imediatamente trazido para baixo de Velia e, onde hoje fica Vica Potae, foi construída uma casa na encosta mais baixa.(...)

Pota é a possuidora vitoriosa, ou a deusa poderosa na vitória. Mas como explicar o “Diespiter Vicae Potae filius”? Até onde sei, não existe nenhum mito que nomeie Vitória como a mãe de Júpiter (ou melhor, Diespiter, pois Sêneca distingue uma da outra). Talvez fosse possível identificar Vica Pota com Vitória e ao mesmo tempo explicar "Diespiter Vicae Potae filius", relembrando o mito grego segundo o qual Zeus suplantou seu pai, Cronos, e até agora poderia ser chamado de filho de Vitória. No entanto, se Séneca tinha um mito grego em mente, por que ele deu às duas divindades nomes distintamente latinos? (...)

Ball, seguindo Schenkl, aponta o fato de que Cícero aparentemente identifica Dispiter e Plutão com Plutus, e que Fedro chama Plutus de filho de Fortuna. Ele sugere ainda que "Sêneca...pode ter mantido uma reminiscência de algumas dessas associações em vista das negociações financeiras de Diespiter.

clip_image019

Figura 10: Victoria num mural duma domus romana. (Bartoli, Recueil de peintures antiques trouvees a Rome.)

VITULA

Os comentários de Buecheler e Ball, por mais plausíveis que sejam, certamente não conseguem dar uma explicação satisfatória da piada em sua totalidade. Desejo oferecer uma interpretação, de natureza radicalmente diferente das já mencionadas, principalmente sobre a etimologia de Vica Pota. (*) (*) Em Religion u. Kultus d. Romer, Muller's Handbuch V, 4, 196, Wissowa parece-me estar muito errado quando diz que alguns dos gramáticos antigos derivaram Vica Pota de vinco e potior, outros de victus e potus, e que Sêneca provavelmente tinha a última derivação em mente. Pelo contrário, as "Victua et Potua" de Arnóbio (III, 25) nada têm a ver com Vica Pota, mas são análogas em formação e significado àquelas outras abstrações divinizadas, Educa, Cuba, Statina,

Dizer que "Victua et Potua" de Arnóbio (III, 25) nada têm a ver com Vica Pota é levar demasiado à letra a mitologia, coisa que nem Cícero faria. Obviamente que Arnóbio era um apologista cristão recém convertido que pretendia ser mais papista do que o papa na sua luta contra o paganismo mas não deveria ser inteiramente néscio e ao nomear Victa & Podua esquecendo Vica Pota ele estaria a fazer o que os restantes retóricos romanos faziam: misturavam mitologias arcaicas romanas com as de outros locais da Pax Romana Itálica.

25. Unxia, diz meu oponente, preside a unção de postes de porta; Cinxia (*) sobre o afrouxamento do cinto; As mais veneráveis Victa (**) & Podua atendem a comer e beber. Ó interpretação rara e admirável dos poderes divinos! Os deuses não teriam nomes se as noivas não tivessem manchado os postos de porta de seus maridos com pomada gordurosa; Não se fossem os maridos, quando agora se aproximam ansiosamente, desatassem a donzela; Então os homens não comiam nem bebiam? Além disso, não está satisfeito por ter submetido e envolvido os deuses em cuidados tão indecorosos, você também atribui a eles disposições ferozes, cruéis, selvagens, sempre se regozijando nos males e destruição da humanidade. – Arnobius, ADVERSUS NATIONES.

(*) Unxia e Cinxia foram epítetos dados a Juno como protetora da noiva no casamento. Ao entrar na casa do marido, a noiva consagrou-se a Juno Unxia amarrando lã nas ombreiras das portas e ungindo-as com óleo e gordura. Como a deusa Cinxia presidiu o desatamento do cíngulo, o cinto: ela deveria zelar pela fidelidade da noiva ao marido. Ver Martianus Capella 2. 149. Para Unxia, cf. H. Steuding, "Indigitamenta", LM 2. 227; para Cinxia, Steuding, ibid. 2. 195; para ambos, WH, Roscher, "luno", ibid. 2.589; L. v. Preller, Romische Mythologie 2 (3ª ed, por H. Jordan, Berlim 1883) 2I 7* Veja também abaixo, 7. 21.

(**) Os testos receptus de Arnobius referem neste ponto: Victa, Vitua e Vita e não se sabe se seriam entendidas pelos editores e copista como equivalentes.

Artigo III. Dos outros deuses, que eram presididos de maneira semelhante, Lucina deu à luz Juno, Unxia da unção, Cinxia, ou deusa virgem da replicação dos cintos, e Victua e Potua da comida e bebida. (...)

Mas para estas coisas: “Victa e Potua são as mais sagradas”, diz Arnóbio, “elas alcançam vitória e poder”. (Arnob., lib. III, página 115.) Mas Enodácio Donato em suas observações a Terêncio: eles passaram do leite e dos berços. E Virgílio: Nem deus nem deusa eram dignos desta mesa, nem desta cama. Probus gravou isso. (Donat. em Terent. Phormion., ato. 1, cenário 1.) Agostinho, porém, os chama de Potina, que é uma bebida; e Educam, que fornece alimentos (Augusto, livro IV de Civit., capítulo 11, página 97). Mas ele, portanto, explode ambas essas divindades ridículas; porque os israelitas no Egito, sem Educa e Potina, comeram e beberam. Mas mais tarde. “Se alguém”, diz ele, “contratasse duas amas para uma criança, uma das quais não daria nada além de comida, e a outra nada além de bebida, assim como estas empregaram as duas deusas, Educa & Potina, para esse propósito, isto é, para atraí-lo, e algo semelhante à mímica seria visto acontecendo em sua casa. (E. lib. 6, cap. 9, p. 156.) Mas estes são sem dúvida os mesmos, que são chamados de Victa e Potua por nosso Arnóbio, se não houver nenhum erro incomum do bibliotecário em seu texto. Mas ele, não menos que Agostinho, os proíbe e rejeita com desprezo e zombaria, e na verdade com razão. -- Migne Editors, Dissertatio Praevia In septem Arnobii disputationum Adversus Gentes Libros. (Auctore Dom Le Nourry.)

Mais difícil é o caso de Victa (texto da ed. Marchesi) e Potua, dos quais este é o único atestado. Reconheceremos a distorção, por falsa etimologia, uictui potuique, de uma mesma deusa, Vica Pota, antiga divindade romana da vitória 27 que ainda tinha, no final da República e início do Império, o seu templo no sopé de Velia e seu festival no calendário.

Ascônio, no século I DC. BC, sempre interpreta com precisão, mas moderniza seu nome 28. Aenobio, por sua vez, segue na direção oposta. Ele, ou sua fonte, em outras palavras, Varro? O seu nome foi provavelmente, na sua lista, substituído pelo de outras duas entidades, muito varronianas, que têm as mesmas funções: Educa (-la, -lia, -sa) e Potina29, duas indigitações da pequena infância, com as quais Vica Pota, esquecida e pouco conhecida, fica aqui confusa.

Pota = Potua, isso é óbvio, mas não é suficiente para explicar a falha: os primeiros termos de cada série ficam sem ponto de comunicação. Teríamos também o prazer de trazer uma nova entidade, Vitula, cuja família de palavras, uitulari, uitulatio (os gritos de alegria que pronunciamos ritualmente, por exemplo por ocasião de uma vitória), chamou a atenção dos antiquários, em particular, duas vezes, de Varrão: LL 7, 107 uitulantes (em Naevius) em Vitula; e DR Estamos assim perante duas sequências, uita uitula uictoria / Educa Potina, em que uma diz respeito à vitória, a outra a beber e a comer. Victa Potua está na encruzilhada das duas, uma deusa única da vitória reinterpretada (por Varrão?) como doadora de comida e bebida. O problema etimológico, para ela e para Vitula, coloca-se nos mesmos termos: a escolha entre uictoria e uita. É, pode-se conjecturar, num contexto análogo, se não no próprio quadro desta discussão, que Arnobio conseguiu encontrar o nome de Vica Pota, reinterpretado por ele, ou já por sua fonte, no segundo sentido, com exclusão do primeiro. Especialmente porque a ligação sugerida com Vitula não deixa de acrescentar algum valor à lição do manuscrito P, uita. A correção Victa, devida a Sabaeus, impôs-se aos editores modernos. Mas só tem a tradição e é, na nossa opinião, o menos satisfatório que existe. Três soluções são possíveis: ou mantemos o texto de P, Vita, ou corrigimos, seja restabelecendo Vica, ou por analogia com Potua potui, que dá Victua uictui (F. Ursinus). Já a Victa tem todas as desvantagens: o formulário não é atestado, o que também acontece com a Victua; mas, ao contrário do Victua, nem sequer é refeito de forma satisfatória no uictus. Victua é menos arbitrária e mais lógica (ou analógica). Mas perguntamo-nos, no final de um debate que guarda vestígios da confusão mental da qual os próprios antigos não escaparam, se não podemos preservar o texto Vita, mesmo que nos choque com Potua: Arnobio não partilha necessariamente do nosso gosto pela simetria. Com Laverna, deam furum (3, 26, 1), permanecemos na hipótese. A “deusa dos ladrões” também vem de Varro? Podemos conjecturar (Card., para demonstrá-lo. - Leitora Amobe de Yarron, JACQUELINE CHAMPEAUX.

Lat.Vitula > Lat. Vidula, > Lat. Tard. vitela > viella

???> viēla ? > viōla < fiōla (medieval) < franco *fiþulā.

= uma vaca jovem, novilha, vitela, bezerra.

Contraparte feminina de vitulus (“vitelo, bezerro”). É bastante incerto se a palavra para instrumento de cordas vem desta fonte, mas pode estar relacionada a cordas feitas de intestinos de gado; também pode ser um empréstimo do franco *fiþulā (“violino, violino”). A verdade e que os instrumentos de cordas mais arcaicos eram feitos com bucrâneos.

Vitulus 'bezerro [m. o] (Cato+) Derivados: vitellus 'pequeno bezerro (PI), 'gema de ovo' (Varro+), vitulinus 'de bezerro (PL+).< PIt *wet-elo- 'de um ano, bezerro. Cognato It: U vitlu [acc.sg.m.], vitluf, uitlu [acc.pl. m.] vitlaf, uitla [acc.pLf.] < *ueteIo-, -a- 'bezerro'. PIE *uet- 'ano'. Cognatos IE: veja s.v. vetus.

Vitula: a deusa romana da alegria e da vitória. > vitula-tio =

Vitulatio era uma ação de graças anual celebrada na Roma antiga em 8 de julho, um dia após a Nonae Caprotinae e após a Poplifugia em 5 de julho. A Poplifugia é um festival menos conhecido e de origem obscura até para os próprios romanos; Macróbio diz que marcou uma retirada romana dos etruscos em Fidenae durante a invasão gaulesa, e que o Vitulatio comemorou a sua vitória de retorno. Foi um dies religiosus, um dia de proibição religiosa em que as pessoas deveriam abster-se de realizar qualquer atividade que não fosse atender às necessidades básicas.

A deusa homônima Vitula [ela] personificava a alegria e da vida (vita).

De acordo com Vergilio, ela recebia as ofertas das primícias.

O verbo vitulari significava cantar ou recitar uma fórmula com entonação e ritmo alegres. Macróbio diz que vitulari é o equivalente ao grego paanizein (παιανίζειν), "cantar um hino", uma canção que expressa triunfo ou ação de graças. Ele oferece, no entanto, uma gama antiquada de etimologias, incluindo uma de victoria, “vitória”. Uma explicação moderna relaciona a palavra Vitulatio com vitulus, "novilha", o animal que serviu como bode expiatório ritual em Iguvium, conforme descrito nas Tábuas de Iguvine.

Se Vitula recebia as primícias era a Deus Mãe Gaia, Copia, Opus, Abundantia e Fortuna e por isso coroada como Cibele e também por isso Vica Pota, a potínia das aldeias e vicus.

Como se referiu antes que os textus receptus de Arnobius para Victa & Podua referem: Victa, Vitua e Vita sem que se saiba se seriam entendidas pelos editores e copista como equivalentes, aceita-se, por hora e até prova em contrário, que o seriam e com bastas razões até pela própria etimologia da «Vida».

«Vida» < Lat. vita < proto-itálico *gʷītā < *Ga-wita < Ka-Kita > Gaia.

                              > Oscan: biita(m) < βίοτος (bíotos, “ser vivo”)

< Greg. Ant. βῐ́ος (bíos).

Possivelmente corresponde a um derivado do proto-indo-europeu *gʷihwo-teh2 (compare o grego antigo βίοτος (bíotos, “vida”), o irlandês antigo bethu, bethad, o irlandês beatha, o galês byway, o antigo eslavo eclesiástico животъ (životŭ, “vida” ), gyvatà lituano (“vida”), viver em sânscrito (jīvitá), Avestan gayo (acusativo ǰyātum) ("vida") < Gaia

Portanto a vida deriva da deusa Mãe da Gaia Ciência e a Vera Natura, deus da vida natural e da alegria e que como Arnóbio ainda sabia ao referi-lo para Victa, Vitua ouVita como deusa da alimentação e da comida pelo que Vica Pota que só se separaram em duas entidades para serem Vitua & Potua, da comida e da bebida, porque inicialmente eram variantes da Deusa Mãe Gaia. Entre os latinos era Ops e Copia e todas deusas da Fartura Natural e da Boa Sorte nas lutas da vida e logo deusas vitelinas da Vitória, como Vacuna foi.

 

VACUNA

Vacuna era a deusa do lazer rural, adorada pelos Sabinos.

The name of the Valerii is connected with the verb valere, and with the divinities of victory and of health. Therefore, just as Valeria was considered a deity who cured the sick, so Valerius Publicola lived in a place called Vica Potcs,—that is, Victoria Potens. This was near, or actually within, the temple of the Penates. The Horatii, on their part, seem to be related to the god Horatus, who announced to the Romans the victory of Silva Arsia.

clip_image021

Figura 11: L. Valerius Acisculus AR Denarius. Rome, 45 BC. Laureate head of Jupiter to right; acisculus and ACISCVLVS behind, all within laurel wreath / Anguipedic giant facing, holding thunderbolt that has pierced his side, and raising other hand overhead; [L] • VALERIVS in exergue.

Nota 21 Não é necessário insistir no facto de o nome Italia derivar de Vitellia. Quanto a Vitellia, quae multis locis pro ftumine coleretur, ver Suet., Vit., i. Este autor refere-se também à via Vitellia, perto de Roma. Devemos colocar em estreita ligação com Vitélia a deusa Sabina Vacuna, que, segundo Varrão (em Acr., ad Horat., ep., I. 10.49) era igual à deusa Vitória. Da mesma forma, é provável que a deusa Vitória, adorada no Palatino, fosse apenas a deusa da Vitulatio. Para a deusa Vitória adorada sob a forma de um touro, veja as notas do capítulo sobre os Horácios.

They were, at any rate, the representatives of Jupiter Hastatus or Quirinus. (…)

CAP IX HORATII AND VALERII

Em Lavinium, Juno foi originalmente adorada sob a forma de uma cabra, e Acca Larentia (e, talvez, Valeria Luperca, também) foi homenageada sob a forma de uma loba. Temos razões para acreditar que de maneira semelhante a deusa da Vitória era reverenciada sob a forma de um touro (???) e de uma vaca. Isto pode ser provado pelo termo Vitulatio, que (de acordo com um antigo analista) significava Victoria, 45 e também pelo facto de os antigos romanos e outros povos adorarem a deusa Vitellia. 46

O touro e a vaca eram os totens nacionais de diversas raças itálicas. Nas moedas da Guerra Social vemos o touro vencendo o lobo sabeliano. Da mesma forma, na batalha de Sentinum, os romanos consideraram o aparecimento do Lupus Martius como um presságio de vitória. É óbvio então que sob a forma de uma vaca eram adoradas tanto a deusa Vitella como a deusa Vacuna, a deusa Sabina da Vitória. 47

E como Vitélia estava ligada a Evandro e aos Fauni, nossos pensamentos naturalmente se voltam para o templo da Vitória situado acima da gruta do Lupercal. Os antigos, aliás, afirmavam que a festa da Vitória, assim como a do Lupercal, tinha sido fundada por Evandro. 48 Parece que deveríamos ligar a estes cultos a estátua de Valéria que, nas moedas daquela família, foi representado montado em um touro.[2]

clip_image023

clip_image025

Figura 12: Denarius Valeria: Lucius Valerius Acisculus; ACISCVLVS / L•VALERIVS - Head of Apollo Soranus right, wearing diadem surmounted by star; behind, pickaxe above part of moneyer mark. Border of dots; sometimes laurel-wreath border. / Europa seated on bull walking right, holding billowing veil. Part of moneyer mark in exergue.

49 Os Valerii, então, parecem ter ligado sua origem ao culto desse animal. Finalmente, como veremos num capítulo subsequente, foi a partir de um touro que a família romana dos Minúcios traçou a sua origem. 50.

---------------------------------------------------------------

45 Calp. Piso, and Hyll., in Macrob., III. 2.14.

46 Suet., VitelL, r.

47 Concerning Vacuna, see Varro, in ACR., ad Horat., Ep., I. 10.49 i cf. Dion. Hal., I. 15.

48 Dion. Hal., I. 32.

49 Babelon, Monn. d. I. rep. rom., II. p. 519.

50 With this sacrifice of bulls are to be connected the ludi saeculares, which the Valerii affirmed to have been established by them. Val. Max., II. 4.5; ZosiM., II. I sq.

----------------------------------------------

21 Não é necessário insistir no facto de o nome Italia derivar de Vitellia. Quanto a Vitellia, quae multis locis pro ftumine coleretur, ver Suet., Vit., i. Este autor refere-se também à via Vitellia, perto de Roma. Devemos colocar em estreita ligação com Vitélia a deusa Sabina Vacuna, que, segundo Varrão (em Acr., ad Horat., ep., I. 10.49) era igual à deusa Vitória. Da mesma forma, é provável que a deusa Vitória, adorada no Palatino, fosse apenas a deusa da Vitulatio. Para a deusa Vitória adorada sob a forma de um touro, veja as notas do capítulo sobre os Horácios.

-- Ancient legends of Roman history by Pais, Ettore, 1856-1939; Cosenza, Mario Emilio, 1880-1966.

Notar que a maioria dos autores considera que os Denarius Valeria representam a Europa raptada por Zeus na forma de um touro. Mas, por outro lado, como não é necessário insistir no facto de o nome Italia derivar de Vitellia e de que, para os gregos a Europa era a Itália da Magna Grécia é aceitável que o rapto de bela Europa fosse o da jovem vaca Vitélia quer porque os mitos do pecado de raptos de gado eram comuns e Europa pode ter sido entendida na Itália do culto de Vitélia como sendo *Kau-rapta, literalmente a Corrupta (Vitélia) enquanto “vaca raptada”...pelo próprio filho, Dispater.

 

Ver:O RAPTO DA BELA EUROPA (***)

 

Wikipedia: Aqueles que a consideravam indígena e autóctone (Vespasiano e Tito Tácio) a definiram como filha de Sabo, rei mítico dos Sabinos, e neta de Sanco (deus dos juramentos, principal divindade masculina Sabina). Segundo outras narrativas (Varrão e Dionísio de Halicarnasso), a deusa chegou à Itália com os pelasgos. Em qualquer caso, Vacuna possui os traços da grande mãe mediterrânea (Pestalozza 1964, 2019; Bonanno & Buttitta 2021). Afinal, Sabina era habitada desde o Paleolítico. Ela é a deusa dominante do panteão do povo sabino, cujas origens arcaicas estavam ligadas à cultura osco-úmbria, e talvez também aos gregos de Esparta. (...)

Mesmo para os antigos a deusa era um enigma. “Vacuna in Sabinis dea sub incerta Species est formada”, escreve Horacio: Vacuna é misteriosa, indescritível, indefinível, quase invisível. Seu santuário está dilapidado, arruinado, abandonado. Ela e ela também estão em silêncio.

Os autores que a descrevem não deixam de sublinhar que se trata de uma divindade muito antiga e obscura. A deusa parece querer esconder a sua identidade, até porque está associada e confundida com outras divindades da Itália antiga: Vitória, Bellona, Diana, Minerva, Ceres, Vénus. (...)

A iconografia que a representa é escassa, quase inexistente. Seus traços simbólicos são vagos, pois está associada ao ciclo da produção agrícola, com destaque para a fase final da colheita: traço comum a quase todas as divindades femininas das culturas pré-modernas fundadas na agricultura. No entanto, algumas conotações sobre ela são específicas dela:

a aposta no intervalo que se segue ao trabalho da última colheita, ou na hora do meio-dia, a hora sem sombra, que envolve uma ênfase especial na dimensão do descanso depois do trabalho, no vazio que se segue à actividade;

a ligação com a água, nas espécies frias e em todas as suas formas, desde as chuvas às nascentes até aos lagos, com destaque para as propriedades oraculares e taumatúrgicas do elemento aquático.

George Dumézil acolhe com satisfação a leitura de Ovídio, pois o conceito de vácuo precisa do vazio (ausência, vazio), e observa que a invocação da deusa é especialmente intensa quando nos deparamos com o vazio deixado por alguém que nos é querido. Recorria-se a Vacuna para pedir que uma ausência (devido a guerra, viagem ou doença) não terminasse mal. Graças à sua polissemia, a deusa teria sido capaz de “preencher muitas formas de “vazio” (Dumézil 1985; Nicolai 2020). A interpretação de Frazer desenvolve o tema de um vazio sendo preenchido pela renovação, seguindo o padrão dos ritos de passagem (van Gennep 1909) e destacando os poderes de regeneração da deusa. Ele a define como “uma deusa médica, dotada de poder de cura” (Frazer 1929). (...)

O atributo das asas é muito importante: é um indicador seguro do arcaísmo do culto a Vacuna. As deusas aladas, associadas ao voo dos pássaros, evocam a época original do pensamento religioso que associava o sagrado feminino (ab illo tempore) ao céu, ao sol e às estrelas. E era um céu não dualista, como aquele introduzido mais tarde pelo patriarcado. O céu feminino era um céu que continha e abraçava. Estava em cima, mas também embaixo, nas laterais, em toda a volta. Um céu envolvente e não um céu distante e divisivo como o patriarcal, que opunha alto e baixo, homem e mulher, certo e errado, bem e mal. As asas de Vacuna dão esta profundidade e esta tensão a uma divindade que, ao mesmo tempo, está enraizada nas profundezas mais inacessíveis e misteriosas do ventre terrestre. (...)

Trebula Mutuesca

Horace fala de um pequeno templo dedicado à deusa, já em estado de abandono, perto de Rieti. Entre os vários cultos, identificados em diversas campanhas de escavações, no Santuário de Trebulano (Trebula Mutuesca), destaca-se a sua presença - ainda que em diálogo intercultural com Ferónia, Mercúrio e Apolo - especialmente nas inscrições vasculares. Com base nos fragmentos de cerâmica pintados de preto encontrados, Giulio Vallarino, a partir de 2007, levantou a hipótese da presença do culto à deusa (século 2012 a.C.). A área do templo foi identificada na área onde se encontra a igreja de S. Vitoria (Vallarino 2020). (...)

Aquae Cutiliae (...)

O lago (hoje, Paterno) é uma área pantanosa muito maior e definida Lacus Velini, foram considerados sagrados por algumas características que levaram a reconhecer o sinal do divino nas estranhezas e maravilhas do território. Uma surpreendente ilha automotora parecia navegar nas águas geladas do atual Lago Paterno, talvez outrora o local do santuário de Vacuna, habitado por espíritos femininos a quem eram devidos sacrifícios e oferendas: as Lymphae Commotiles. (...)

A área, que Plínio define como “umbilicus Italiae”, inspirava medo e respeito. É possível, embora não certo, que ali mesmo estivesse localizado o santuário da deusa Vacuna (Alvino-Leggio 2006). O culto que ali se realizava, e que segundo Varrão era dedicado a Lymphae Commotiles, deve ter sido portanto de natureza taumatúrgica e oracular. A ligação entre Vacuna e as ninfas do lago parece ser confirmada por uma leitura moderna do seu nome, que não está ligada ao latim vácuo, mas sim a um lacus e lacuna, justificando a definição de Dionísio de Halicarnasso que fala dela como "a senhora do lago" (Prosdocimi 1989).

A Vacunae Nemorae

Não só as águas foram associadas à Vacuna: também as matas e a vegetação em geral. Plínio, o Velho, fala sobre eles, situando-os no vale superior de Velino. O culto era praticado em pequenos altares montados na mata, mas provavelmente também em cavernas, como a do Monte Tancia frequentada até a década de 2003. (...)

Aqui está uma velha decrépita sentada entre meninas:

celebra um sacrifício a Tácita, mas ela mal fica em silêncio,

e com três dedos ele coloca três grãos de incenso na soleira

onde um ratinho abriu uma passagem secreta;

então com palavras mágicas ele amarra alguns fios em um fuso escuro,

e enrola sete feijões pretos na boca.

Depois ele queima a cabeça de uma sardinha no fogo

ele costura perfurando-o com uma agulha de bronze e cobrindo-o com piche;

ele também derrama vinho nele: e o que resta do vinho

ela ou seus colegas bebem, mas ela bebe mais.

“Amarrei línguas inimigas e olhares malévolos”,

diz a velha indo embora e saindo bêbada.

(Glóriasde Ovídio , II, 571-582).

Nicolai tem razão: os versos não estão explicitamente ligados a Vacuna, mas a deusa Sabina tem todos os traços distintivos da deusa Tacita, ou Muta, como também é chamada Vacuna.

Ovídio relembra a história de Tacita-Muta, a ninfa tiberina Lara que tem a audácia de proteger a ninfa Juturna da agressão do adúltero Júpiter. Lara “não segura a língua”, pelo contrário, avisa Juturna sobre a perseguição que está ocorrendo, e Júpiter, como punição, a deixa muda. O mito – de origem grega, retomado por Ovídio para ilustrar a Feralie de Fevereiro que celebrava os mortos – tem como pano de fundo a zona do Lácio, onde é mais rica em água, pântanos e vegetação.A ninfa, de facto, “ora se escondia no bosque entre aveleiras, ora mergulhava nas suas águas familiares”. A referência ao reino de Vacuna está ligada, no rito relatado por Ovídio, ao feijão e ao peixinho cuja boca está costurada. A presença do fuso evoca uma forma de magia primorosamente feminina contra a calúnia e o mau-olhado. As tradições folclóricas de muitas culturas ainda associam o feijão, em forma de doce, aos mortos e ligam as deusas silenciosas ao submundo. -- Vacuna, a deusa que existe e não existe, de Enrica Tedeschi.

Levantamentos arqueológicos realizados na Sabina, a cerca de 50 km de Roma, pretendiam reconstruir a antiga paisagem agrícola e pastoril. Eles identificaram vestígios interessantes de pequenas fazendas familiares romanas em Montenero, Sabino e Mompeo (província de Rieti), aldeias localizadas perto da Via Salaria (a “via do sal”) e do riacho Farfa, um afluente do rio Tibre, que em tempos antigos, eram ambos as principais rotas comerciais da Itália central, ligando Roma aos Apeninos e à costa do Adriático. Lá foi encontrada uma rede de canais e tanques subterrâneos, canos de água fictícios e piscinas, às vezes interligados. Muitos deles ainda são usados hoje, dado o baixo crescimento populacional e a falta de desenvolvimento industrial moderno desta área e ao seu isolamento, apesar da proximidade de Roma. Além disso, a área de estudo contém uma pedra votiva dedicada à deusa da água sabino-romana Vacuna, uma deusa multiforme Sabina e Central-Itálica com muitas características e funções, também conhecida como Minerva-Bellona-Victoria, Feronia, Caerere ou como Angerona-Angitia. Tratava-se de um santuário agropastoril ao culto da água, cuja relevância antropológica ainda sobrevive nas feiras anuais de gado e no culto local à Santa Maria das parturientes. -- Irrigação, exploração de águas subterrâneas e culto da água nos assentamentos rurais de Sabina, Itália Central, na época romana A. Di Leo; M. Tallini.

clip_image027

Figura 13: Rieti-Valle-santa-reatina.

Derivar o nome da deusa Cloaquina dum termo plebeu é uma ofensa à deusa respectiva e um erro crasso porque além de virar o protocolo da purificação ao contrário repete o erro de fazer derivar as palavras de verbos e não de adjectivos como parece ser a regra de bom senso: primeiro encontram-se, inventam-se ou fabricam-se os objectos e só depois é que se actua com eles. De facto, mesmo que se postule a existência do verbo etrusco *cluva, continuamos a questionar: e de onde derivou este? Ora, em rigor, se tal fosse o caso, contra o qual nada se teria contra, a resposta seria: *cluva deriva do nome da deusa das purificações pela água da chuva que seria *Clu-Vacuna e seria, portanto, o nome desta que passaríamos a indagar. Ora, desde logo, parecer-nos-ia tratar-se de um nome composto por um nome virtual *Clu mais o da deusa Vacuna, antiga deusa sabinade natureza incerta (Pomponius Porfírion refere-a como sendo de incerta specie) mas que segundo Varro seria idêntica à deusa latina Victória e à grega Nikê e de etimologia relacionada com a deusa Vaca.

To conclude the study of Vacuna, the fact is we know very little. Her cult did exist throughout the Sabine territories, as the archeological remains demonstrate. She was most probably associated with water, rain, and the agricultural cycles so important to a mostly rural population. Her true meaning to those that worshipped her, however, is a mystery. -- Vacuna: The Hidden Goddess – Veiled in the Mist of History.

Vacuna. An obscure, ancient Sabine goddess, who (from her name) was assumed to be a patron of leisure, but her identity is obscure. Varro connected her with *Victoria, and others with Bellona, Diana, Minerva or Venus. Horace writes of a dilapidated shrine to her near his farm, and Pliny mentions her grove in Reate. This may have been on the island of Lake Cutilia (modern Velino), where the ice-cold waters of the goddess of the lake were thought to be a cure for diarrhoea; they failed however in the case of the emperor Vespasian, who died of the disease despite taking the 'aquae Cutiliae'. [Horace Ep 1.10.49 with Porphyrion; Ovid Fasti 6.307-8; Pliny NH 3.109]

Assim sendo, Vacuna seria uma deusa de Rea-te, cidade supostamente fundada pela deusa Rea quando esta desceu do alto dos montes Reatinos que circundavam o lago Cutilia para se purificar nas águas frias deste depois do nascimento dos deuses olímpicos.

Hutena & Hutellura (também Hudena e Hudellura; ḫdn ḫdlr em textos alfabéticos ugaríticos) eram deusas do destino e parteiras divinas na mitologia hurrita. (…) Além de determinarem destinos, Hutena e Hutellura também eram deusas do nascimento e da obstetrícia. Como tal, eles provavelmente eram responsáveis por moldar o feto durante a gravidez.

Não poderemos saber se o lago Cutília deriva das deusas hurritas do Destino Hutena & Hutellura ou se estão apenas relacionadas com estas por meio da mitologia pelágica do mar Egeu que se perdeu com o fim da cultura minóica. Seja como for, fica a suspeita duma relação que será mais que fonética. Não deixa no entanto de ser estranho que os nomes destas deusas do destino e parto ressoem como deusas do «cutelo» e da «cutelaria», ou seja, da faca sagrada como era Taveret.

Hutena& Hutellura < Ku-tana / Ku-tellura > Ku-Tellus> Cutília.

De facto o lago Cutília era uma zona pantanosa onde a malária seria endémica o que veio a dar fama às águas do lago Cutilia, não tanto pela sua portabilidade uma vez que “as águas do «reatino» são consideradas entre as melhores da Itália”, mas pela fonte de águas quentes que brotaria da gruta da deusa Vacuna pela sua capacidade para curar a diarreia sobretudo frequente na malária das crianças.

In his book about theories on the origin of the Saturnalia, Macrobius narrates that the Pelasgians, one of the earliest people who inhabited Latium, had been expelled from their original territory and, having wandered through many places, at last arrived in great numbers at Dodona in Epirus. There they asked the local oracle where they could settle permanently. The oracle's responsum was that they should go to the Saturnian land of the Siculi and Aborigines, to Cutilia, where there was a floating island. They were to expel the locals, then sacrifice a tenth of whatever they had taken as booty (praeda) to Phoebus and to Hades. Human captives were explicitly included: they were instructed to "send the heads and phota ('lights,' also 'lives') to the father".

Having followed the instructions of the oracle, they arrived at Lake of Cutilia and occupied the island. This island was formed by overgrown plants and its growth had been favoured by the murkiness of this marsh, as [clarification needed] was said to have been of Delos.

After expelling the Siculi the Pelasgians occupied the lands. They offered as a sacrifice to Apollo the tenth part of the prey and built a shrine to Dis and an altar to Saturn, naming the feast Saturnalia after him. They continued for a long time to perform human sacrifices in order to offer heads to placate Dis and Saturn, until Hercules came to those lands and persuaded their descendents to replace the human heads with masks and to honour the altar of Saturn with lamps, since phota, "lights," may mean "lamps"as well as the "light" of men's lives.

Outro aspecto interessante pelo seu arcaísmo é a relação da cidade de Riate, com sacrifícios humanos a Dis Pater e a Saturno. Não deixa de ser estranho que na apocolocinose[3] de Séneca a Claudio, Vica Pota é a mãe do Diespiter ela seria então Rea, como Vacuna e Victoria também seriam, visto que com elas se relacionvam, quer pela função quer pela fonética.

Bene vero, quod Mens, Pietas, Virtus, Fides consecratur manu; quarum omnium Romae dedicata publice templa sunt, ut, illa qui habeant (habent autem omnes boni), deos ipsos in animis suis conlocatos putent. nam illud vitiosum, Athenis quod Cylonio scelere expiato Epimenide Crete suadente fecerunt Contumeliae fanum et Inpudentiae; virtutes enim, non vitia consecrare decet. araque vetusta in Palatio Febris et altera Esquiliis Malae Fortunae detestataque omnia eius modi repudianda sunt. quodsi fingenda nomina, Vicae Potae potius vicendi atque potiundi, Statae standi cognominaque Statoris et Invicti Iovis rerumque expetendarum nomina, Salutis, Honoris, Opis, Victoriae.

É bom também que o Intelecto, a Piedade, a Virtude e a Boa Fé sejam arbitrariamente deificados; e em Roma os templos foram dedicados pelo Estado a todas essas qualidades, com o propósito de que aqueles que as possuem (e todos os homens bons as possuem) acreditem que os próprios deuses estão estabelecidos dentro de suas próprias almas. Pois isso foi uma coisa ruim que foi feita em Atenas, a conselho de Epiménides 1, o cretense, quando, após o crime de Cylon ter sido expiado, eles estabeleceram um templo à Desgraça e à Insolência; 2 pois é apropriado divinizar as virtudes, mas não os vícios. O antigo altar da Febre no Palatino e o Esquilino da Má Fortuna, bem como todas as outras abominações desse tipo devem ser eliminadas. Mas se devemos inventar nomes para deuses, devemos antes escolher títulos como Vica Pota, derivado de vencendo (Vitória) e possuindo (Poder), e Estado, da ideia de permanecer firme, e epítetos como os do Fortalecedor e Invencível, que são dado a Júpiter; De igual modo, os nomes das coisas que devemos desejar, como Segurança, Honra, Riqueza e Vitória. -- Marcus Tullius Cícero, De Legibus, II, 11.

 

VICA POTA

No seu opúsculo Vica Pota no “The American Journal of Philology, 1903, Vol. 24, N.º 3, Charles Hoeing demonstra que Vica Pota era equivalente a Cibele.

Na verdade vica é o feminino de vicus que significaria a aldeia onde a deusa era adorada e que esta protegia como Dis-Pota como sua Potnia Teron, abelha-mestra, dona, patrona, senhora, disponsina ou potinija. Senso assim, a deusa Vitória seria sua filha ou no mínimo a vaca taurina do aldeamento onde pontificava Vica Pota.

Numa conjectura não amplamente aceita, Ludwig Preller pensou que Vica Pota poderia ser identificada com a divina figura etrusca Lasa Vecu. Se soubéssemos os argumentos dos que contrariam estas teses talvez nem os entendêssemos porque parece óbvio que se a identificação não for com esta deusa etrusca, pelo menos Victória terá que ser identificada com um nome comum seguramente de origem etrusca, como é o caso de Veturia.

40. Então as mulheres casadas se reuniram em grande número na casa de Veturia, mãe de Coriolano, e Volumnia, sua esposa. [2] Se isso foi política pública ou medo da mulher, não consigo descobrir; em todo caso, eles prevaleceram com eles que tanto Veturia, uma mulher idosa, quanto Volumnia deveriam levar os dois filhos pequenos de Marcio e ir com eles para o acampamento do inimigo; e que, como as espadas dos homens não podiam defender a Cidade, as mulheres deveriam defendê-la com suas orações e lágrimas. [3] Quando chegaram ao acampamento, e chegou a Coriolano a notícia de que uma grande companhia de mulheres estava à mão, a princípio, como se poderia esperar de alguém que nem a majestade da nação poderia mover, como representado em seus enviados, nem o horror da religião, conforme transmitido ao coração e aos olhos pelas pessoas de seus sacerdotes, ele mostrou ainda maior obstinação em resistir às lágrimas das mulheres.

clip_image028

Figura 14: A Deusa Vica Pota também foi às vezes identificada com Victoria.

[4] Então um de seus amigos, levado pela conspícua tristeza de Veturia a distingui-la entre as outras mulheres, que estava entre a esposa de seu filho e seus bebés, disse: “A menos que meus olhos me enganem, sua mãe está aqui e seu esposa e filhos”. [5] Coriolano levantou-se como um louco de seu assento e, correndo ao encontro de sua mãe a teria abraçado, mas suas súplicas se transformaram em raiva, e ela disse: “Deixe-me saber, antes de aceitar seu abraço, se eu venho para um inimigo ou para um filho; se eu sou uma cativa ou uma mãe em seu acampamento. [6] É a isso que a longa vida e a velhice infeliz me trouxeram, que eu veja em você um exilado e depois um inimigo? Você poderia devastar este país, que lhe deu à luz e o criou? [7] Sua raiva não caiu de você, não importa o quão hostil e ameaçador fosse seu espírito quando você veio, quando você passou do limite? Não ocorreu a você, quando Roma estava diante de seus olhos: “Dentro daquelas paredes estão minha casa e meus deuses, minha mãe, minha esposa e meus filhos?” [8] Então, se eu não tivesse sido mãe, Roma não estaria agora sitiada! Se eu não tivesse filho, teria morrido uma mulher livre, em uma terra livre! [9] Mas agora não posso sofrer nada que possa ser mais vergonhoso para você ou mais miserável para mim; nem, por mais miserável que eu seja, serei assim por muito tempo: são estes que você deve considerar, para quem, se você continuar, morte prematura ou [p. 351] longa escravização está reservada.” Os abraços de sua esposa e filhos, após esse discurso, e as lágrimas de toda a companhia de mulheres, e suas lamentações por si mesmas e por seu país, finalmente romperam sua resolução. [10] Ele abraçou sua família e os enviou de volta, e retirou suas forças de diante da Cidade.

Tendo então levado seu exército para fora dos domínios de Roma, diz-se que ele pereceu sob o peso do ressentimento que esse acto causou, por uma morte que é descrita de várias maneiras. Encontro em Fábio, de longe a autoridade mais antiga, que Coriolano viveu até a velhice. [11] Pelo menos ele relata que este ditado estava frequentemente em seus lábios, que o exílio era uma coisa muito mais miserável quando se era velho. Não havia inveja da fama que as mulheres tinham conquistado, por parte dos homens de Roma — tão livre era a vida naqueles dias de menosprezar a glória alheia — e para preservar sua memória o templo de Fortuna Muliebris foi construído e dedicado.12 Mais tarde, os Volsci invadiram novamente o solo romano, em conjunto com os Aequi, mas estes não suportariam mais Attius Tullius como seu general. [13] Em seguida, a disputa sobre se os Volscios ou os Aequios deveriam fornecer um comandante para o exército aliado levou a uma briga, e esta a uma batalha sangrenta. Ali a boa sorte do povo romano destruiu dois exércitos hostis em uma só luta, que não foi menos ruinosa da que foi travada obstinadamente. [T. Livio 2.40].

Se é um facto que as La®sas etruscas (de que parece ter derivado o nome latino dos Lares) eram um nome genérico equivalente das ninfas e outras deidades secundárias da mitologia grega no caso de La®sa Vecu assim seria também ficando apenas por identificar o nome Vecu, Vecuvia, latinizada como Begoi e representada como aia de companhia de Minerva ou pelo menos como profetiza e autora dos Libri Vegoici divinatórios.

Vecu + Ki-(k)a< Vecu-via > Veguvia > Lat. Vegoia.

Vecu + Ana > Vacuna.

Vecu > Vica + Pota = Vica Pota.

Vecu             + Tura > Vecturia >Veturia.

Vi(n)cu > Vica +Tura > Victauria > Vitória.

Nada sabendo de substancial da língua etrusca ficamos com o nome titular Vecu que seria de Rea mas sem o entender no contexto da língua que o criou e sem correspondência segura latina ou grega. Sabemos que vicus era o nome das aldeias latinas. Seria esta a semântica do estrusco vecu? Seria afinal Vecu um nome equivalente de Vesta, deusa dos fogos e lares das aldeias?

«Vigo» < Vicus< Proto-Indo-European *weyḱ- (“village”) > Etrusc. Vecu

> ϝοῖκος (woîkos) > οἶκος (oîkos).

Vacō, vacāre, vacāvī, vacātum = esvasiar< Proto-indo-europeu ??? * hweh- ("faltar; esvaziar"). A forma in vo- possivelmente de vocīvus, deslocada em sílaba pretônica.

Văgus, a, um, adj. root vagh-; Sanscr. vāhas; Gr. ὄχος, wagon; cf. veho, passeando, divagando, deambulando, perambulando, vagando, não fixo, instável, vagabundo (freq. e classe.; syn. errabundus).

A Etimologia de vagus é incerto. De Vaan sugere do proto-itálico *wagos, do proto-indo-europeu *Hwogos, e compara essa forma com o nórdico antigo vakka (“vacilar”), o alto alemão antigo wankon (“vacilar”), winkan (“vacilar”), cambalear”), inglês antigo wincian (“to acenar”). Compare com o grego antigo ὄχος (ókhos), o inglês antigo waġian, o inglês wag e o inglês vag (o verbo).

Como é que Vacuna, enquanto vaca sagrada, passa a significar o esvaziamento é difícil de entender hoje quando nem os romanos já o entendiam.

Então, é bem possível que Vacuna fosse uma deusa da Vitória das aldeias sobre a solidão da natureza que sem ela ficariam vazias e dai a sua relação com a vacuidade e com a ausência implícita no temo papal, sede vacante. Ou então, quase de certeza que é o verbo latino vaco que carece de explicação enquanto conceito relativo a esvasiamento quando, na verdade, seria simples de entender «vacar» como sendo um termo da gíria pastoril referente ao acto de retirar as vacas do estábolo para os pastos...ou de lhe esvasiar os hubres com a ordenha. Por isso ainda  hoje se diz a alguém que nos está a aborrecer: Vai pastar, vai bugiar, vai devagar e pela sobra, etc.

clip_image030

Figura 15: Villa Private Palermo Piazza Armerina. ROMAN VILLA from the 3rd Century.

De facto, ainda no latim o termo de derivação mais próxima é vagus. Nas línguas ibéricas deriva-se «vacar» do latino vaca e «vagar» do latino vago mas ambos os termos acabam por ter signidicados iguais o que reforça a ideia de que é o termo vago que nos esclarece a etimologia deste termo não tanto pela etimologia indoeuropeia que De Vaan lhe “sugere do proto-itálico *wagos” mas precisamente pela que o francês lhe dá: «Vago ou Vardo: Voiture. En rapport avec la notion de wagon de chemin de fer.» Le mot vient du langage utilisé par les Manouches. E imediatamente nos lembramos dos judeus errantes e dos vagões de ciganos «vagabundos». Assim sendo vagabundos eram ao vagões puxados a vacas e «vacar» ou «vaguear» era sair dum lugar, que ficava vazio e vago, num vagão tirado a vacas e ir para outro vagueando.

Ou seja, mais uma enesima vez se conprova que eram os deses que davam nome às coisas banais e não o inverso e que é sempre temerário e em vão que se procura a etimologia dos eónimos a partir de termos comuns mesmo quando genéricos.

«Vaca» < Lat. Vac(i)ca < ??? Proto-Italic *wokā,

<Proto-Indo-European *woḱéh??? < va-kika < *Vaki-Ana > Vacuna.

Esp. vacuna < vaca + una = «vacina» < lat. vaccinus (“de vaca”)[4].

Quase que seguramente Vacuna seria uma vaca taurina como Juno Sopita e como várias vacas sagradas egípcias eram particularmente Hator e possivelmente a Turan etrusca. Ora, este papel não ficaria mal a Vénus e muito menos a Vénus Cloaquina, se considerada derivada de Vacuna. A relação de Vacuna com as cloacas começa a ficar clara pela sua relação com a água que abastecia Roma vinda do lago sagrado Cutília de Reti onde esta deusa era adorada.

Plínio, o Velho, relata que os romanos e os sabinos, quando se reconciliaram depois que as sabinas foram sequestradas, purificaram-se com ramos de murta no local onde estavam as estátuas de Vénus Cloaquina no tempo em que Plínio estava escrevendo. Ele acrescenta que a murta de Vénus foi escolhida porque Vénus presidia às uniões conjugais.

O termo originado na medicina da Grécia antiga mais próximo da purgação é, nem mais nem menos, o Clis-ter que apenas participa da primeira parte do nome de Cloa-quina. De qualquer modo o culto de Vacuna no lago Cutília para cura das diarreias explica o uso de clisteres desta água bem como a relação deste culto com os conceitos de evacuação de fezes e purificação de pessoas e comunidades. Então o termo Cutília, a deusa das facas dos partos e dos cutelos de cozinha, aparentada com o dueto hurrita Hutena & Hutellura antes referido,começa a fazer sentido como deturpação de *Cloa.

Cutília < Clutila < Clotilda <= *Cloa.

Ainda que Cloaquina tenha a ver com cloacas anatómicas de indefinidas passagens sexuais e, ainda com outros locais de porcaria e imundície já conotada com doenças venéreas nos tempos clássicos por evidência empírica (o que levou a teoria hipocrática dos miasmas e levaria lentamente ao puritanismo anti sexual judaico cristão) a verdade é que este nome tem, sobretudo, conotações fonéticas com a deusa grega Clóris, pelo menos no étimo*Clo-, a deusa do verde cloro e dos cloretos com que se fazem as desinfecções das modernas cloacas sanitárias, facto que não passaria de mera coincidência se a mitologia não fora tudo um mundo de sublimes transcendências onde todo o ideal é possível, quase tudo é como parece e o inefável tem nomes divinos - J !!!.

*An-Kur-Kaki ó *Kur-Kaki-Ana Þ

                               > Kaura-kina > *Korakina.

                              > Kraurakina > Clau-Aquina > Cloaquina.

                                                                                  > Clara.

                                  Clu®a-Kina + Ki => Claura-Kiki-An > (An) Clóris.

                                                        >Cluauthina > Cliodhina > Cliodhna.

                                                                              > Cl(i)oth(i)a(n) > Clota.

De *An-Kur-Kaki poderiam derivar *Kaphur-Naka, deusa das cafurnas dos infernos e *Kaphur-Tina, a divina cobra de água de Tanit,deusas virtuais aparentáveis com Cloaquina, Sr.ª das sagradas cloacas J !!!

 

Ver: TANIT (***)

 

Cliodhna = The Irish goddess of beauty. She later became a fairy queen in the area of Carraig Cliodhna in County Cork.

Clota = The Celtic goddess of the river Clyde.

O étimo divino *Clo- / Clio- de deidades férteis e primaveris aparece ainda na mitologia celta no nome das deusas Cliodina, relacionado com a deusa Clio grega referida em Paltão como esposa de Poseidon, Clo- relacionada com Clotilde e Clovis…e com o nome a moira grega Cloto.

 

Ver: CORES (***)

 

MEAN ou Meian

Mean é uma deusa etrusca do destino e da fama. Ela é associada dos Lasas , embora não necessariamente um deles, embora como eles, ela seja retratada com asas. Em um espelho lindamente gravado, Mean é mostrado em uma cena da lenda da Guerra de Tróia, com Elkhsntre (Alexandros ou Paris), Elenai (Helen) que ocupa o lugar central no espelho, o marido de Elenai, Menele (Menelaos), e ela cunhado, rei Akhmemnun (Agamenon). Elenai está ricamente vestida e sentada em um trono, com o marido ao lado; do outro lado está Elkhsntre, que está quase todo nu e apoiado em uma lança. Do outro lado dele está Mean, que levanta os braços para coroá-lo com uma coroa de flores. Ela está tão nua quanto se pode ficar, exceto por um par de brincos e alguns lindos chinelos decorados em forma de tênis, e ela é muito bem desenhada, bem proporcionada e adorável. Ela, como Lasa Thimrae na extrema direita do mesmo registro, tem grandes asas brotando de suas costas dando-lhe uma aparência angelical. A Seus pés está um pequeno animal com cascos, talvez uma pequena corça ou cervo, ou talvez uma espécie de ovelha magra, já que Elkhsntre/Paris era um pastor. A criatura parece estar com Mean, pois está um pouco atrás dela e se vira para olhar em sua direção.

É difícil dizer exatamente qual é a interpretação etrusca desta lenda grega, mas parece que estão envolvidos temas de destino e amor. Elenai/Helen, a mulher mais bonita do mundo, está sentada entre seu marido e seu futuro amante, e talvez a coroa de Mean seja para mostrar que Elkhsntre receberá o amor de Elenai. Na lenda, Páris foi forçada a julgar quem era a mais bela entre três grandes deusas – Hera, Atenas e Afrodite. Cada um tentou influenciá-lo oferecendo suborno pelo seu voto: Hera prometeu-lhe o governo de toda a Ásia; Atena ofereceu-lhe vitória e sabedoria; e Afrodite prometeu a mulher mais bonita do mundo. Ele escolheu Afrodite. É claro que a mulher mais bonita do mundo já era casada, daí a resultante Guerra de Tróia. O registro superior da cena neste espelho tem Turan , a Deusa do Amor, Hercle (Hérakles), que segura um Erote ou pequeno querubim alado, e o casal marido e mulher de Tinia (Zeus) e Thalna . A presença de um casal, de um Erote e da Deusa do Amor reforça a ideia de que o amor é um tema central: talvez Mean na cena inferior esteja agindo como mensageiro ou procurador de Turan.

Mean também é representado em outro espelho no ato de coroar Hercle quando ele retorna do submundo com o cão de três cabeças Kerberos. Isto indica a conclusão bem-sucedida de Seus Trabalhos, já que a busca por Kerberos foi a décima segunda e última. Eles são acompanhados por Leinth , uma deusa da morte. As asas de Mean e as coroas que ela distribui levaram-na a ser equiparada a Nike (a deusa grega da vitória e associada a Atenas ), e o ato de coroar pode representar conceder fama, bem como sucesso ou vitória. Seu nome em etrusco significa "Magnificência", "Grandeza" ou "Glória", e ela também foi identificada com a Vitória romana , a vitória personificada.

Assim como Alpan, Mean parece ter sobrevivido no folclore toscano como uma fada ou espírito benevolente chamado Meana, considerado um duende amoroso que concede favores a amantes e noivas.

(Filo)Mena < Mean-phi-lu < Meana < Mean, Mean-pe ou Meian < Me-Ana = A senhora das leis do destino e da fama. Em boa verdade, de entre todos os nomes da tradição helenista já referidos apenas Diana / Atena parecem ser aparentadas com a deusa do destino dos etruscos, a deusa Meana.

 

PAX

clip_image031

clip_image033

Figura 16: PAX Angusta, Imperator Caesari Divi Filius Consul Sextus Libertatis Populus Romanus Vindex. Supreme commander (Imperator). Pax em pé em ângulo para a esquerda, segurando caduceu na mão direita, cista mystica com cobra na direita, tudo dentro de uma coroa de flores.

Pax era uma divindade relativamente não reconhecida durante o início da república, pois tinha pouco a ver com a filosofia romana. No entanto, durante este tempo, as cidades-estados gregas adoravam o equivalente de Pax - Eirene, desde o início da Idade do Bronze, onde a adoração dela atingiu o pico durante a ascensão do império ateniense e a guerra do Peloponeso.

Como Weinstock explicou, a ideia romana e a palavra para paz (pax) derivada de 'pacisci' era vista mais como um pacto que concluiu uma guerra e levou a uma rendição ou aliança com outra facção, em vez da noção atual de paz como a falta de guerra. A paz era vista como a submissão à superioridade romana, era o resultado da guerra e não a sua ausência. A conquista levou à pacificação.

Pax / pacis < Foneticamente paks < proto-itálico *pāks ó Umbr. Pacer!!!

A derivação PIE *péhḱ-s (“paz”) da raiz virtual *pehḱ- (“anexar”) parece feita à medida da paz pelas armas e não corresponde a nada das línguas indo-europeias conhecidas mesmo que virtualmente propostas a martelo como seria o caso do Proto-germânico: *fagraz (“justo”) ó Proto-germânico: *faganaz (“feliz”). Do mesmo modo faz pouco sentido Weinstock fazer derivar pax < pacisci = presente infinitivo ativo de pacīscor porque o que deriva naturalmente neste verbo é o pacto a que a paz, mesmo alcançada à força da subjugação armada, não se resume nem confina.

De resto, o verbo pacīscor é um verbo depoentes que têm um significado restrito à voz ativa, mas sua conjugação é típica da voz passiva, ou seja um verbo criado dentro da língua latina para expressar o conceito militarista da Pax Romana.

Pacīscor, pacīscī, pactus, depoente = fazer um pacto, contrato ou acordo, com.

< pac(ō) (“chegar a um acordo”) + | -(i)scō (“sufixo incoativo”) < Lat. esca < proto-itálico *eska <*ish-ka > «isca».

Supostamente este verbo relacionaria a pāx (“paz”) com pactum (“acordo”) o que para não ser uma mera especulação irá fazer derivar a paz de pacisci o que nenhuma outra etimologia confirma. De resto,

Pācō, pācāre, pācāvī, pācātum = pacificar, aquietar, acalmar; subjugar. Sinônimos: ī̆cō, percutiō, pangō, feriō = negociar, arriscar, apostar.

Icio > ī̆cō, ī̆cere, īcī, ictum = atacar, bater, golpear.

> foedus icio - faço um tratado <

< mesma raiz do grego antigo αἰχμή (aikhmḗ, “ponta de lança”) e ἴξ (íx, “larva da videira” ó ἴψ (íps, “caruncho”) < pré-grego *ish-ka.

Grego antigo αἰχμή (aikhmḗ, “ponta de lança”) < proto-helênico *aiksmā, < *aiksmans < grego micênico ai-ka-sa-ma< proto-indo-europeu *heyḱ-sm-o/eh- >antigo prussiano aysmis e o lituano iēšmas, jiēšmas (“cuspir, brocar”); em última análise, de *heyḱ- (“picar; ponta afiada, farpa”), a mesma raiz possivelmente do latim īcō (“Eu apunhalo, pico”), proto-germânico *aiglaz, *aiginþs (“atirar, farpa”).

Pois bem a paz pode derivar de muitas maneiras e ser alcançada de muitos modos mas é que ela derive do que parece ter sido nos finais do neolítico: uma vida comunitária «prazenteira» e «plácida» sem ansiedade nem demasiadas preocupações com os vizinhos em meio bucólico e pastoril. Por isso a etimologia mais concordante com a realidade seria esta:

«Pax» < Lat. Pa-x/cis < proto-itálico *p(l)ā-ks, < ??? < *plac-is < plac-itus.

clip_image035

Figura 17: TI CLAVD CAESAR AVG P M TR P X IMP P P: Head of Claudius, laureate, right, PACI AVGVSTAE: Pax / Nemesis advancing right, holding drapery with right hand, left hand pointing caduceus at snake.

Na verdade, os romanos tiveram a deusa Viri-placa que promovia a paz matrimonial porque «aplacava» a ira do cio e dos ciúmes dos homens”

Viri-placa era “a deusa que «aplacava» a ira e o cio do homem” e foi dada a Juno como sobrenome, designando-a como a portadora da harmonia entre os casais.

Pācō, pācāre, pācāvī, pācātum. = pacificar, apaziguar, aquietar, acalmar; subjugar. < proto-itálico *pakō < *plakō < Plācō, plācāre, plācāvī, plācātum = a-paz-iguar, aplacar, pac-ificar, amenizar, tranquilizar, acalmar, aquietar. Etim: “tradicionalmente incerta” mas seguramente relacionado com placeō, placere, placuī / placitus sum, placitum; (ser plácido, agradável, ser simpático; ser bem-vindo ou aceitável; satisfazer, adequar, dar prazer, etc.)> «prazer»

ó «pascer», «apascentar», dar «pasto» >«pastar» > «pastor» > «pastorear» =

«Pascer» < Lat. pasco, pāscere, pāvī, pāstum = dar de comer, pastorear, etc.

< Lat. pāscor, pāscī, pāstus sum; depoente = ir pastando.

«Páscoa» < latim vulgar pascua, do latim pascha

ó influenciado por pascuum

> pascua ("pastoreio")

Pascua, Æ, pro Pascuum. Glossæ Græc. Lat.: Νομή, ἡ βοσϰή, pastus, pastio, pascua. Charta Ludovici VI. Reg. Franc. ann. 1154. apud Lobinell. tom. 3. Hist. Paris. pag. 34 : Terra est, quam mariscos vocant, in usum communis Pascuæ constituta.

< do grego antigo πάσχα (páskha) < hebraico pésakh ó Acádico passahu, ("acalmar, suavisar") > «pacho» = pano embebido em líquido ou untado de unguento que se aplica sobre uma parte do corpo, a fim de aliviar e combater uma dor ou inflamação; emplastro. < Fr. Parcho?

< proto-itálico *pāskō,< ??? < *Ophi-aska < *KaKi-ash-Ka

                                                                       >Lusitan. Ofiussa.

O Lat. pasco tem o activo perfeito homófono com paveo o que nos «apavora» (!!!) e faz levantar a suspeita de ter sido *pasci, como em pāscor, pāscī, pāstus sum, dando-se assim dar razão à derivação lusa «pasci» que por sinal também significa dar prazer...e ser virtualmente a verdadeira etimologia da divina Paz, a herdeira duma arcaica deusa *KaKi-ash-Ka que, na variante Viriplaca, aplacava o cio dos maridos e que enquanto *Ophi-aska apascentava e aplacava o veneno das cobras e com o caduceu de Istar que conferia aos mensageiros da palavra de deus, como eram as deusas da Vitória, todas as imunidades contratuais.

Evidentemente que o nome virtual *KaKi-ash-Ka duma deusa mãe numa arcaica proto-linguagem não passa disto mesmo: um virtualidade bem engendrada, desde logo porque se trata duma transliteração para a fonética latina depois porque nem todas as virtualidades se concretizam, pelo menos de forma tão clara como o que pode ser idealizado e por fim porque a realidade supera a ficção.

 

 



[1] evocatio, o convite ritual dos deuses dos inimigos, normalmente com promessas de melhor tratamento.

[2] Notar que a maioria dos autores considera que a moeda represente a Europa raptada por Zeus na forma de um touro.

[3] Apocolocyntosis divi Claudii ("A Apocolocintose do divino Cláudio") é uma obra em latim do filósofo estoico Sêneca (4 a.C.-65 d.C.). Literalmente “A Transformação de Cláudio em Abóbora”, é uma sátira sobre o imperador romano Cláudio.

[4] O vírus da varíola de vaca (mais atenuada que a humana) foi historicamente coletado nas pústulas dos úberes das vacas e depois inoculado em humanos para protegê-los da varíola humana.